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Dilmar Paixão –
(professor,
escritor e poeta)
Acabou de ser entregue o troféu The Voice Kids ao novíssimo encanto
bombachístico denominado Thomas Machado. Poucas vezes, nestas quase seis
décadas da minha existência, assisti à unidade rio-grandense numa única torcida
de chimangos e maragatos, gremistas e colorados, enfim, desprovida desses
dualismos que, historicamente, dividem as cores e espaços no Rio Grande do Sul.
Lembrei-me, quando
sentava para ver e ouvir a consagração do nosso menino gauchinho, do jogo da
seleção brasileira contra toda a pátria ultrajada do jogador Everaldo,
esquecido da convocação por Zagalo após o êxito futebolístico da Copa do Mundo
de 1970. Naquela ocasião, o único tricampeão não chamado para o selecionado. Thomas
Machado conseguiu esse feito. Talvez, tenha-o superado.
As inúmeras
particularidades que construíram a sólida vitória do cantor de Estância Velha
permanecerão vigentes por longa data. Desde o seu jeito meigo da criança com
vivência artística às respostas improvisadas e naturais de quem tinha a decisão
certa do que estava fazendo na disputa e para a qual havia se preparado com
afinco.
O fato de estar
trajado com roupa de gaúcho, ao estilo típico do cotidiano urbanizado de quem
possui ligações campesinas e tradicionalistas impactou, pois todos conhecem
esse traje oficializado como a representação típica do Rio Grande do Sul. Sua
treinadora, a cantora Ivete Sangalo, fez o destaque ao seu modo de vestir na
primeira apresentação, fazendo saudação à figuração estilística. Porém, não foi
pelo traje, pois não há situação mais traiçoeira do que alguém sem o hábito de
andar pilchado querer fazê-lo apenas para chamar a atenção. Nele, era um vestir
e se postar natural.
O desafio foi além.
Em momento algum, Thomas pode interpretar canções do seu repertório habitual;
pelo contrário, fizeram-no entoar canções em todos os ritmos como “A Banda”, o
“Menino da Porteira”, o “Rancho Fundo” ou a tradicional “Asa Branca”. Esta, tradicional sim, mas na tradicionalidade
do repertório nordestino ou do artístico sertanejo e não um preferência de
escolha no Rio Grande do Sul.
Thomas nesse aspecto
superou longe seus concorrentes. E continuou pilchado. Sua pilcha era a
vestimenta e o portar de quem, após o primeiro dia, perdeu uma escora
importante, quase muleta, que era a sua gaita, o acordeon e a parceria do irmão
mais velho. Ele foi superando cada um dos obstáculos. Derrubou as barreiras uma
a uma e sempre encantou os telespectadores.
Não querendo
criticar os demais, mesmo gaúchos ou de outros locais com representatividade
folclórica e cultural, pode-se presenciar jovens intérpretes cantando em
inglês, espanhol, francês e em ritmos diferentes, inclinados para angariar
simpatias e votos populares. Nossos cantores e cantoras que subiram aos palcos
pelas primeiras vezes nos festivais nativistas também seguiram o molde
tendencioso do repertório escolhido pela produção do programa. Se nosso estilo
musical do regionalismo gaúcho não figurou entre as opções musicais para os
candidatos, poderiam ter oportunizado cantigas livres em algum momento, mesmo
que no instante final ou pós-vitória. Thomas estaria muito mais à vontade.
Certeza absoluta.
Vale destacar, além
da sua competente consagração, que o gauchinho, mesmo pilchadito, não se
encabulou em cantar ritmos diferentes e cantigas nem tão suas, quanto das
outras crianças. Muitas, nem estão listadas como cantigas universais como
quiseram fazer parecer. Importante, sim, salientarmos que o nosso cantor
vitorioso demonstrou como a arte pode ser praticada sem, necessariamente, ser
exclusiva do seu meio específico de convivência social e artística.
Por diversas vezes,
pude presenciar intérpretes e musicistas da nossa terra executando
manifestações artísticas de outras regiões do Brasil e do planeta. Aproveito
para sublinhar dois alertas interrogativos: o primeiro, se nossos artistas
entoam ritmos e cantares de outros povos quem fará a representatividade da
nossa cultura musical? A segunda
pergunta é: o que continua faltando para que nossas canções do regionalismo
gaúcho possam ultrapassar as fronteiras que, no caso, nos limitam mesmo com os
povos vizinhos?
O intuito deste comentário
não é aprofundar análises mais densas, porque a oportunidade é de comemorações
merecidas e de aplausos ao Thomas e seus familiares que acreditaram na chance e
agora recebem o apoio midiático e empresarial para desenvolvimento da sua novel
carreira artística globalizante.
Se ele merece – e
mereceu mesmo – celebremos a sua conquista e faço votos que não desapareçam os
estímulos que uniram tanta gente e de aldeias diferentes. Como afirmei no
início, foi mais uma das raras manifestações da unidade rio-grandense. Tudo de
bom, para a época em que sofremos e sobrevivemos com amarguras de problemas
crescentes no nosso Estado e com tanta desumanização nos relacionamentos entre
as pessoas.
Muitas lições,
inclusive, a da humildade de quem se portou convicto e confiante, contudo,
respeitoso antes os demais participantes do programa. De parabéns, portanto, o
Thomas, seu pai, sua mãe e o irmão. Como ele mesmo disse, todas pessoas que
torceram por ele, de alguma maneira, vitoriaram-se com o Thomas.
Já que a canção
nordestina, universalizada “Asa Branca” do Luiz Gonzaga, foi a cantiga da
última etapa da competição, tem um refrão forte que serve para parodiarmos em
cumprimentos ao nosso gauchinho campeão, tenha certeza tchê que “nem foi
tamanha, assim, a judiação”! A alegria
de aplaudi-lo foi recompensada. Se a nossa música gaúcha mais representativa
não pode receber o espaço que o faria mais tranquilo e destacado ainda pelo seu
hábito artístico cotidiano, pelo menos, alguém que sempre esteve de bombacha
serviu de exemplo. E do alto dos seus nove anos de idade. Um novo Everaldo, com
certeza. Mais: pilchadito de bombacha e abraçado, com orgulho, na bandeira do
Rio Grande do Sul.
Proseamos mais de outra feita, tomara com mais alegrias
incontestáveis!
Partenon,
Porto Alegre, 02 de abril de 2017.