via zero hora:
Segunda reportagem da série sobre a cultura na
política mostra que a economia criativa contribui para o desenvolvimento e gera
empregos
Por: Fábio
Prikladnicki
Quando o
presidente em exercício Michel Temer anunciou a extinção do Ministério da
Cultura (MinC), pouco depois de assumir o governo, parte da população comemorou
a decisão nas redes sociais, partindo de uma visão segundo a qual artistas
seriam espécies de parasitas que vivem exclusivamente de verba governamental e
não movimentam a economia. A volta do MinC, depois de protestos no segmento
cultural em diferentes regiões do país, não arrefeceu a polêmica.
– Este
ponto de vista é um absurdo. A ideia de que a cultura não gera negócio é uma
visão atrasada – afirma Gabriel Pinto, gerente de Indústria Criativa do Sistema
Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro).
O
Mapeamento da Indústria Criativa no Brasil, divulgado em 2014 pela Firjan,
aponta que o PIB da indústria criativa cresceu 69,8% em termos reais de 2004 a
2013, quase o dobro dos 36,4% de incremento do PIB brasileiro. No mesmo
período, houve alta de 90% no número de empregos criativos formais, enquanto o
mercado de trabalho nacional como um todo avançou 56%. Os números reúnem os
setores de cultura, consumo, mídias e tecnologia. Pinto atribui os dados
positivos ao aumento no investimento e no consumo:
– A
cultura é importante não apenas como estratégia de desenvolvimento, mas também
pelo transbordamento para outros setores econômicos. Tivemos políticas
culturais importantes nas últimas duas décadas, mas há muito por fazer. Temos
um potencial enorme de internacionalização. Na hora em que isso ocorrer, vai
carregar os produtos brasileiros para fora.
O
especialista da Firjan explica que a cultura representa uma ¿economia de
externalidade¿, ou seja, aquela cujo benefício gera efeitos para terceiros:
– A cultura pode ser comparada a
uma vacina. Quando você toma vacina, seu vizinho também fica melhor, porque
você se preveniu. Da mesma forma, quando se consome cultura, a população fica
melhor. Melhora a educação, a inclusão social, uma série de coisas.
Impacto
material no desenvolvimento do país
Apesar de
as estatísticas sobre economia criativa no Brasil ainda não terem atingido a
profundidade que especialistas esperam, estudos divulgados nos últimos anos
permitem avaliar seu impacto material no desenvolvimento do país. Segundo o
Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2007 – 2010, divulgado pelo IBGE
em 2013 (o mais recente disponível), as empresas associadas ao setor cultural
tiveram R$ 374,8 bilhões de receita líquida em 2010, correspondendo a 8,3% do
total de indústria, comércio e serviços.
O
documento revelou que o número de trabalhadores no setor chegou a 3,7 milhões
em 2012, 3,9% do total no país. Além disso, os profissionais da cultura tinham,
em 2012, um nível de instrução mais alto do que a média do mercado: 20,8% com
nível superior, enquanto o geral era de 14%.
Estudo da
Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgado em 2015 revelou que o valor
gerado só pelo setor audiovisual brasileiro teve um aumento de 65,8% entre 2007
e 2013, uma expansão de 8,8% ao ano. Citando o IBGE, o relatório aponta que as
atividades econômicas do audiovisual foram responsáveis por uma geração de R$
22,2 bilhões em 2013 (em 2007, foram R$ 8,7 bilhões).
Em um
olhar mais abrangente, a economia criativa – termo que abriga artes, ciência e
tecnologia – tem se tornado uma importante estimuladora do desenvolvimento em
nível mundial. O Relatório de Economia Criativa 2013 da ONU indica que bens e
serviços do setor movimentaram US$ 624 bilhões em 2011, mais do que o dobro em
relação a 2002. A indústria do direito autoral representou, em média, 5,2% do PIB
de 40 nações.
Setor é
ainda mais sensível ao momento econômico
Os
números no Brasil variam conforme a metodologia. De acordo com o Mapeamento da
Firjan, a indústria criativa nacional equivaleu a 2,6% do PIB em 2013. Segundo
o Panorama da Economia Criativa no Brasil, publicado pelo Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) em 2013, varia entre 1,2% e 2% do PIB. O estudo do
Ipea conclui que a participação dos setores criativos na economia brasileira
está abaixo de países-modelo como França e Inglaterra. O pesquisador Bruno
César Araújo, um dos autores, avalia que o setor tem potencial de crescimento.
– Apesar de o Brasil ser uma
potência cultural, não conseguimos transformar isso em negócios. O problema é
movimentar o mercado em torno da cultura. Não estou falando em mexer na
essência do Festival de Parintins, por exemplo, mas em vendê-lo (aos turistas)
de forma mais inteligente. O Brasil tem grande potencial para museus, mas a
maioria não tem sistema de guias que faça a experiência valer.
Os
estudos disponíveis para orientar decisões sobre a economia da cultura são
considerados insuficientes por especialistas porque captam, em geral, apenas
uma faceta: o segmento formal. No entanto, muitos profissionais da área
trabalham por projetos. De acordo com a pesquisa do Ipea, acredita-se que a
dimensão informal é mais expressiva no Brasil, pela própria natureza da
economia criativa. Assim, estudos de maior fôlego precisam ser feitos. Uma das
expectativas é com a Conta Satélite de Cultura, análise setorial do IBGE para
medir com acuidade o impacto do setor no PIB e subsidiar decisões sobre
políticas públicas – o projeto existe, mas não há previsão de conclusão.
Bruno
César Araújo, do Ipea, alerta que o setor criativo é mais sensível ao momento
econômico do que outros: cresce com agilidade em tempos de bonança e se retrai
de forma intensa com a recessão.
– Fizemos
a pesquisa durante um ciclo de crescimento, até 2010. Se repetíssemos o estudo
do ano passado para este, provavelmente constataríamos que a economia criativa
está perdendo mais empregos do que o restante da economia. As pessoas acabam
gastando menos com cultura e bens culturais (durante a crise) – pondera.