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Dilmar Paixão –
(professor,
escritor e poeta)
A charge inteligente,
jornalisticamente atualizada e coerente com os pacotes anunciados pelos
governos federal e do estado nesta quase antevéspera natalina (ELIAS, 2016, p.
4) mostra que “o presente” jogado por cima da árvore a destruiu totalmente.
Nada imaculada ou inocente, a indagação se “os pacotes não ficam mais debaixo
da árvore”, serve para muitos dos demais acontecimentos extraeconômicos e das políticas
e finanças públicas brasileiras. Afinal, essas surpresas foram pesadas para a
tênue sustentação da árvore deste Natal.
Percebo
que, no final de 2016, não há mais reserva emocional, porque as tensões levaram
a zero qualquer estoque remanescente nos seres humanos. Tragédias, tristezas,
sofrimentos, lágrimas que inundaram de aflições e amarguras as pessoas e muitas
famílias consternaram um amplo universo, dos maiores, dos últimos tempos. Houve
quem falasse no apocalipse, quem tentasse apontar culpabilidades e quem
recortasse episódios como se pudesse ver toda a colcha a partir de alguns dos
seus remendos. Porém, imunidade não foi permitida a ninguém dos sobreviventes.
Se o
Natal tem o cunho de renascimento e cada novo ano brota com auroras esperançosas,
particularmente este, tem conotações diferentes. Os apelos comerciais, tão
vigorosos noutras épocas, sabem que, quando “embrulhados”, tiveram presentes
com conteúdos mais modestos e bem singelos dessa vez. Até as palestras
motivacionais de que “na crise, subtraia o ‘s’ e crie!” mereceram menor
eloquência e intensidade. Por isso, o chargista tem toda a razão: os pacotes
não foram colocados debaixo da árvore, e sim, detonaram-lhe o tronco, os
galhos, as bolotas, os ramos de neve, estrelas e outros penduricalhos, muitos
dos quais de subservientes colonizados por culturas estranhas aos hábitos do
nosso povo gaúcho, brasileiro e sul americano.
Se o
Chasque Pampeano tem me oportunizado propor pensares e acendimentos à
coletividade internética mundial - um agradecimento que sempre faço ao ativista
cultural Paulo Roberto Guimarães - julgo válido convidar leitores e leitoras
deste espaço para escolhermos na conjuntura uma parte desses assuntos dos
pacotes. Sem óbices mais complexos, vemos que o bem viver, a cultura e a
cidadania verdadeiramente livre seguem sofrendo ataques grotescos e obsequiando
fatias privilegiadas, em especial, pela posse da tomada das decisões. Com as
mudanças dos governos municipais e medidas anunciadas por esses novos gestores,
providências têm sido jogadas sobre “a árvore social” sem avaliar o “peso”
resultante dos atos intencionados.
Perdoem-me,
mas preciso, sem querer ser repetitivo, retomar uma dessas temáticas. Intitulei
“Dois dedos de prosa”, uma fala de abertura na publicação do Estatuto da
Associação dos Amigos da Tradição e Folclore-AATF ou, mais especificamente, a
Associação dos Amigos do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore-IGTF. Depois,
reforcei minhas opiniões em outros momentos significativos. Começava
reconhecendo que essa Tradição e Folclore era “uma Fundação governamental
carente, moribunda e internada na UTI”. Mais do que Unidade de Tratamento
Intensivo, pelo que pode ser visto hoje, já de outros governos e direções
anteriores, “abandonou-se o doente no leito”, sem qualquer tipo de investimento
em lhe tratar as feridas. Quem sabe numa maca ou num corredor... Sem
medicar-lhe, tem como falar em prevenção de enfermidade ou promoção da saúde
institucional? Se assim foi, a resistência do “organismo” durou muito diante do
sistema gestor espoliativo. Li que lhe restaram nove funcionários, agora com os
cargos em extinção. Se concursados ou não, é mais um assunto.
Para quem
quiser detalhes ampliados das justificativas criadoras e dos esforços que até
cidadãos comuns lhe dedicamos, as pesquisas “googlísticas”, “wikipedianas” e de
diversas fontes alcançam dados razoáveis e que podem, com uma reflexão atenta e
responsável, identificar causas e fatores determinantes para esse intento que
ora lhe finda a trajetória. Com alguns companheiros comprometemo-nos em apontar,
denunciar e enfrentar as intenções para esse desmonte, criando aquela
Associação AATF. Outros e outras pessoas amantes da cultura rio-grandense seguiram
as lutas, posto que, mesmo com muitos cargos dirigentes remunerados, nós outros
precisávamos empenhar árduo trabalho pessoal, muito suor e até dinheiro para gerar
recursos a essa sobrevida – ressalto – de uma Fundação cujos diretores sempre
foram nomeados pelo governo estadual e deveriam ter tal competência e responsabilidade.
O acervo
das pesquisas realizadas e de doações recebidas era invejável, pois nomes como
Paixão Cortes, Barbosa Lessa, Lilian Argentina Braga Marques e tanta gente boa
produziram cursos, palestras, conferências e eventos qualificados pelos
quadrantes de todo o Rio Grande do Sul e fora dele. Se a diáspora gaúcha ganhou
fronteiras do Brasil e do mundo, também o IGTF contribuiu. E não foram somente
simpósios de estudos, cursos e seminários ou pesquisas de campo. Os festivais
nativistas da sua melhor fase em saudável memória tinham no IGTF o apoio desde
as inscrições das concorrentes às contribuições no palco e na organização. Um
estúdio foi montado, lembro-me bem, quando o Luiz Carlos Borges foi seu
Diretor. Destinar-se-ia à gravação de CDs e peças artísticas do cancioneiro
popular e dos autores não laureados pela grande mídia. Conscientes, chegamos a
ser saudosistas dessa fase.
Se nomes
ilustres ocuparam as suas três principais cadeiras de Direção do IGTF nesses
anos vencidos, muitas vezes, viam-se pesquisadores, estudiosos em geral,
professores, tradicionalistas, interessados no folclore gaúcho e pessoas da
comunidade acorrendo à biblioteca, à videoteca e às outras “tecas” acumuladas
pelo tempo existencial no acervo da entidade. Lamentavelmente, currículos políticos
e fardas partidárias ou interesses pessoalizados e de agrupamentos que acampam
nas instituições mais com motivos individuais do que coletivos não fornecem
justificativas e proposituras qualificadoras às ações culturais, educacionais e
formadoras do ideal de sociedade.
Para quem
vê o pacote como um triturador ou compactador de fardos de ferro velho, que põe
na mesma carga – indistintamente – segmentos como a rádio e tv Piratini, a
educativa, os setores de pesquisa científica e produção de soro antiofídico,
por exemplo, com organismos menos operantes, ao par dos confrontos políticos,
partidários e ideológicos, resta apontar que esses atos do governo não se
esgotam no gesto único da assinatura da decisão e nem na desculpa argumentada
de serem pelos reduzidos gastos públicos.
Este é um
novo decreto: de que os pacotes não ficam mais debaixo da árvore?
Se o
“presente” teve a força gestora de se encontrar com a caricatura desenhada pela
caneta inteligente do chargista, o que se espera, ao menos, é que o destino dos
produtos desses órgãos decorra de uma astuta, clarividente e atilada discussão
com pessoas competentes e ligadas a cada segmento, de estudos comprometidos e
legitimamente interessados com o bem de todos e todas do tecido social. Que
esses acervos sirvam como façanhas disponibilizadas ao todo comum e não fiquem
a adornar estantes e mostruários de exibicionismos individuais.
Ah, e
pacotes debaixo da árvore não podem ter o sentido de sujeira embaixo do tapete
!
Proseamos mais de outra feita, almejando que o
Natal seja de reencontro com o sentimentalismo cristão e que 2017 nos
possibilite melhores dias para comemorações e celebração da vida !
Santa Maria, Natal de 2016.
REFERÊNCIA BÁSICA:
ELIAS, Charge. In: Diário de Santa Maria. Ano 15. Edição
n.4495. Santa Maria, Grupo RBS, 2016.