...NA VISÃO DE   UMA PARAIBANA 
  180 anos da   Revolução Farroupilha  uma experiência multissensorial vivida por uma filha da   Paraíba em terras gaúchas
  Por Viviana Florentino   Guerra
  Desde que me   entendo por gente, tenho fortes lembranças do quanto a cultura e a tradição   gaúcha me fascinam. Eu era bem pequena, quando vi na TV, não lembro em que   ocasião, a imagem de um gaúcho pilchado e uma moça vestida de prenda. Jamais   esqueci daquela cena: o homem sobre um cavalo, manobrando com maestria um laço,   a camperear atrás de um novilho. Veja bem: não lembro de detalhes que poderiam   ser importantes para justificar um relato como esse. Porém, a imagem do homem   ostentando lenço vermelho envolto em seu pescoço, bombachas, laço em punho   emoldurando um semblante obstinado, bem como a imagem da moça bonita, de longos   cabelos negros, trajando um longo vestido enfeitado com bicos de renda, mangas   longas, até o punho, fechado até o pescoço, acompanhando com o olhar aquele moço   no cavalo, coberta de recato, jamais apagou-se de minhas memórias. Quando   adolescente, durante férias de junho, meu companheiro de tardes chuvosas era o   Érico Veríssimo e seu O Arquipélago, que confesso, naquela época, embora tenha   gostado da narrativa pouco compreendi sua profundidade, o que não diminuiu minha   paixão pueril. Anos mais tarde, já adulta, amadureci-a com a leitura dos   primeiros livros de sua trilogia, O tempo e o vento. A partir de então, a   essência gaúcha fez em minha alma morada para sempre. 
  Porém, nunca   consegui entender o por quê de tamanha paixão. Eis que chegou a hora de   compreender o sentido desse sentimento grandioso. E para tanto, fiz uma   experiência multisensorial durante os últimos três dias da festa em comemoração   aos 180 anos da Revolução Farroupilha.
  Ao adentrar no   Parque Harmonia, local do evento no centro de Porto Alegre, uma sensação de   minuano me rodeando já prenunciava o que eu encontraria (ou reencontraria?)   naquele lugar: os piquetes, o cheiro de churrasco, as cores dos lenços   ostentados nos pescoços dos gaúchos pilchados, vestindo bombachas e botas   enlameadas -e, me desculpem aqueles que discordam, mas eu achei que deu um   charme a mais ao cenário -, as cintas, rastas, boleadeiras, guaiacas,   malas-de-garupa, ponchos coloridos, tiradores, chapéu de barbicacho, rebenques e   esporas, chiripás e, claro, a cuia de mate passando de mão em mão nas rodas de   conversa. Conversas estas que abordavam muitas vezes as razões que levaram   aquele povo à proclamar uma república, depois de desafiar um império inteiro e   seus desmandos, que, quando contextualizadas à situação atual, compreende-se   facilmente porquê aquele povo tornou-se uma forte referência quando o assunto é   bravura, luta, justiça e determinação na defesa dos costumes e interesses de   suas gentes. 
  É notório o   orgulho daquela gente sobre suas tradições e o que conseguiram com sua   obstinação: preservar uma tradição durante décadas a fio, a ferro e fogo. Há   quem pense e diga com todas as letras que os gaúchos comemoram uma guerra que   nunca ganharam. Penso eu, e a história não me deixa mentir, que a guerra   farrapa, de fato, não teve o êxito desejado por alguns de seus líderes, e até   mesmo de muitos gaúchos saudosos. Porém, uma coisa é certa a meu ver, e nesse   ponto, a história comprova meu ponto de vista: a ousadia e a coragem em desafiar   um império e demonstrar sua insatisfação com o tratamento dispensado à porção   mais ao sul do Brasil é coisa pra tomar-se como exemplo pelas lideranças   populares e culturais dos demais estados em toda e qualquer época. Uma coisa eu   garanto: outra seria a visão que teríamos de nós mesmos e sobre nossa identidade   cultural, nossos valores e nossa representatividade política e social no mundo,   tal como ocorre com o povo gaúcho, como bem   descreve o trecho do Hino Rio Grandense: 
  "Como a aurora   precursora
  o farol da   divindade
  Foi o 20 de   Setembro
  O precursor da   liberdade(...)
  (...)Sirvam nossas   façanhas
  De modelo a toda   Terra"
  Outra coisa que   impressionou-me bastante: ô povo hospitaleiro, viu?! Antes de minha viagem   concretizar-se ouvi comentários maliciosos sobre o humor do gaúcho, sobre a   maneira hostil que trata os visitantes, em especial nordestinos como essa que vos escreve. Quão   surpresa eu fiquei, ao ser apresentada às inúmeras pessoas que prestigiavam a   festa como uma paraibana que estava ali para conhecer a tradicional festa   farroupilha, sendo recebida com largos sorrisos abertos de satisfação, sinceros   e respeitosos, muitos conhecedores de minha terra natal, admiradores da cidade   onde nasci, de sua cultura e tradições, de seus sabores e cheiros, de sua   musicalidade e clima, a darem-me as boas-vindas, acolhedores e receptivos, assim   como meus conterrâneos. Nem de longe aquelas pessoas pareceram as descritas nos   agora esquecidos e dispensáveis comentários negativos que ouvi.
  com Cícero Augustus Chemin 
  Conheci   personalidades fantásticas. Grandes expoentes da cultura gaúcha como o   Lobisomem, um senhor vestido à caráter com quem tive o prazer de conversar por   cerca de vinte minutos e tomar uns tragos da saborosa cachaça de butiá, ouvindo   música gaudéria. Sua solicitude e receptividade foram tamanhas, a ponto de fazer   questão de posar para uma foto. Um feito memorável para alguém que acabara de   chegar de tão longe. E o que dizer da receptividade do senhor Jader Leal? Um   artista da terra que compõe e canta suas tradições encantando pessoas como todos   no Rio Grande. Tive a sorte grande de prestigiar seu show na primeira noite que   cheguei à festa e sorte maior ainda de poder cruzar seu caminho casualmente e   assim, pessoalmente, dar-lhe os parabéns, claro, registrando o momento para a   posteridade. Como não poderia ser diferente, o artista foi solícito e receptivo,   com misto de grande humildade e orgulho, aceitou os elogios pelo seu trabalho.   
  Com Jader   Leal
  Outra admirável   figura a quem fui apresentada e que me deu enorme prazer em trocar muitas boas   idéias sobre as tradições gaúchas, dando-me uma visão ainda mais ampla daquele   universo para mim tão singular através de seu espírito crítico e aguçada   percepção foi o senhor Léo Ribeiro de Souza, com quem tive a honra de sentar à   mesa e apreciar um fabuloso costelão 12 horas assado no fogo de chão pelo Senhor   Reginaldo, outro grande conhecedor das tradições tanto gaúchas como nordestinas.   Além da excelente comida, compartilhamos um mate e boa parte da tarde foi para   somar conhecimento e cultura com a troca de idéias comuns e até divergentes.   
  com Léo Ribeiro   de Souza 
  Sobre a   gastronomia: eu que nunca pensei que espinhaço de ovelha fosse algo de se comer,   comi que lambi os dedos. Literalmente. Comemos, eu e meu guia mui especial, o   Senhor Cícero Augustus Chemin e a minha conterrânea, Giuliana França, paraibana   de nascimento mas gaúcha de coração, já há quase dez anos vivendo em Porto   Alegre e muito feliz, diga-se de passagem. Sem cerimônia nem fricote, degustamos com as mãos os saborosos pedaços de   espinhaço de ovelha servidos no almoço no piquete da DMLU, acompanhado do   tradicional arroz carreteiro. Ai, ai... coisa bem boa!! Não há como não   sentir-se em casa em ambiente tão hospitaleiro e acolhedor. Eis aí, a resposta   que vim buscar; o motivo para tamanha paixão está na hospitalidade, na acolhida,   na receptividade do povo gaúcho com "todos os gaúchos de todas as querências".   
  com minha conterrânea Jiuliana França
Dos monumentos: o   Laçador é como um Colosso de Rodes gaúcho, que recepcionou-me bem à moda   gaudéria, desafiando a chuva que vinha medonha e teimou em concentrar-se em   terras gaúchas, conferindo uma atmosfera ainda mais bucólica e "veríssima" à   minha experiência. O Monumento às Cuias é   intrigante e belo ao mesmo tempo. Esse utensílio feito de cabaça que cabe numa   palma de mão, com formato de seio (ou têta) anda de boca em boca nas rodas de   conversas ou faz companhia àqueles gaúchos em sua peculiaríssima solidão, desde   remotos tempos, sendo este um costume introduzido pelos índios que habitavam   aquelas terras quando da ocupação jesuítica tem um monumento dedicado à sua   presença no cotidiano gaúcho.
  Monumento ao   Laçador 
  Das inúmeras   pessoas que conheci, gostaria de agradecer especialmente à Carla Sigal, e ao   Senhor Reginaldo, casal que recebeu-me muitíssimo bem em seu piquete, onde pude   ouvir tanto elogios à minha terra quanto boas e valiosas histórias sobre as   tradições gaúchas, que não só impressionaram-me como também enriqueceram meu   imaginário e experiências ali vividas de corpo, alma e coração. Carla   gentilmente cedeu algumas de suas imagens para compor este relato. 
  Viver a festa   farroupilha é sentir-se inteira dentro da trilogia do Veríssimo. É ter seus   poros invadidos pela história. É absorver cultura campeira de forma insólita,   impensável. É compreender o gauchismo na sua essência. E respeitá-lo e admirá-lo   ainda mais. Com alma e coração independente de onde estes cheguem, a vontade é   não ir mais embora. Rio Grande, majestoso e formidável encantador de pessoas:   voltarei ao teu regaço. E, capaz de não te largar mais!
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