via correio do povo:
O novo prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Júnior, surpreendeu ao convidar para secretário da Cultura o diretor de teatro Luciano Alabarse, secretário da Cultura de Canoas nos últimos anos da gestão de Jairo Jorge, criador e gestor do festival Porto Alegre em Cena, tido como intelectual de esquerda. Para secretário-adjunto, o escolhido foi o filósofo Eduardo Wolf, considerado um liberal. Nesta entrevista, eles falam sobre seus projetos, diferenças e apostas.
Correio do Povo: O que será feito para recuperar o espaço da literatura na Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre?
Luciano Alabarse: Quando eu cheguei na Secretaria da Cultura, há 23 longos anos, a Coordenação do Livro e a biblioteca Josué Guimarães tinham uma incidência que talvez pelo natural desgaste do tempo foi se perdendo. Aconteceu o mesmo em outras áreas. Estamos pensando com muito carinho no livro e na literatura. Eu sou um leitor voraz. O Eduardo Wolf, por ser da área, pode falar melhor do assunto.
Eduardo Wolf :Desde 1989, de maneira transversal, com a Coordenação do Livro e da Literatura, constituiu-se uma tradição de eventos muito importantes para a cidade. Desde a primeira gestão do PT vieram a Porto Alegre figuras como Cornelius Castoriadis, Francis Fukuyama e Robert Kurz, ou, no plano nacional, José Miguel Wisnik e Antonio Candido. Eram personalidades não só da literatura, mas do universo do livro e da cultura: intelectuais, historiadores, filósofos. Aconteceu uma boa parceria com a Usina do Gasômetro. Mas não se formou, como no caso do Porto Alegre em Cena, uma instituição independente de governante. Pretendemos retomar essa tradição de oferecer seminários, palestras e cursos buscando a autonomia dessas políticas públicas. Isso passa por um projeto chamado Universidade Aberta de Porto Alegre, que está nas metas para os cem primeiros dias de governo. Queremos reativar o contato com produtores e consumidores de livros.
Alabarse: Vamos injetar fôlego no Centro Municipal de Cultura, reabrir a nossa livraria, trabalhar bem para março a Semana de Porto Alegre, fazer o 24 horas de Cultura no Centro Municipal, com a biblioteca aberta, dando-lhe um banho de loja. As bibliotecas precisam de modernização em função das mídias eletrônicas e devem ficar acessíveis em horários diferenciados. A livraria precisa abrir à noite quando os eventos estão acontecendo para atender o público.
Correio do Povo: Como valorizar os grupos locais de teatro?
Alabarse: É uma área que me diz muito respeito. Sou formado em Artes Cênicas. Conheço profundamente todas as questões do teatro local. A Secretaria não é um balcão. Cabe-lhe estabelecer políticas públicas. Existe um instrumento de fomento que é o Fumproarte. Temos um projeto na Usina do Gasômetro, a Usina das Artes, que contempla dez grupos. Eles precisam concorrer em edital público para ter espaços. A Usina do Gasômetro vai fechar para reforma, mas eles não serão despejados. Não serão os Sem-Teto do Teatro. Vamos buscar lugar para eles. Queremos recuperar os espaços fechados ou sem condições como o Teatro de Câmara e Cia de Arte. Estamos negociado com o secretário estadual da Cultura um convênio para receber sem custo o Centro Cenotécnico. É um espaço para que os grupos possam ter um depósito cenográfico e um lugar de ensaio e de produção. Não me venham com a ideia de abrir novos espaços. Primeiro, vamos recuperar. Temos de inaugurar o Teatro Elis Regina, inconcluso na Usina do Gasômetro há uns vinte anos.
Correio do Povo: Haverá parcerias com instituições internacionais?
Alabarse: Estamos herdando a primeira grande parceria, que diz respeito à Usina do Gasômetro. Ela será restaurada, ao custo de três milhões de dólares, com financiamento do Centro Andino de Fomento. Graças a eles, abrimos quatro centro culturais em Canoas. Já vi o projeto para a Usina. Quero olhar para o mundo. Não podemos só olhar para o umbigo da prefeitura. Não teremos toda a verba necessária. Precisamos olhar para fora e buscar recursos por meio de leis de incentivo, de mecanismos internacionais e de parcerias público-privadas. Vamos buscar trabalhar com Aliança Francesa, Goethe…
Wolf: Há uma orientação da nova gestão para diversificar as possibilidades de realização econômica. Será formado um grupo envolvendo as secretarias do Desenvolvimento, da Cultura e de Parcerias Estratégicas para pensar uma legislação que contemple estruturas com as das Oscips e as parcerias público-privadas. Vamos seguir exemplos exitosos como o da Pinacoteca em São Paulo.
Alabarse: Temos um bom exemplo em Porto Alegre. Eu sou muito agradecido à Opus no caso do Araújo Vianna A reforma estava orçada em R$ 6 milhões. Custou R$ 18 milhões. A verdade objetiva é que o Araújo é a agora principal casa de espetáculos da cidade, um lugar limpo e seguro. Os caranguejos é que não conseguem entender. Se depender de mim, vai continuar e ser incentivado. Sem a Opus, seria um dinossauro no meio do parque. Precisamos melhorar as datas de uso municipal.
Correio do Povo: Foste criticado por aceitar convite de Marchezan?
Alabarse: Recebi as críticas com serenidade. Rótulos não me pegam mais. Não sou de esquerda, não sou de direita, não sou de centro. Sou da cultura. Farei o que for necessário para trabalhar com cultura junto a pessoas que eu respeite. Nunca fui filiado a qualquer partido. Já trabalhei com secretários do PT, do PSDB e do DEM. Falavam que se o Marchezan ganhasse ele acabaria com a cultura e com o Porto Alegre em Cena. O Alfredo Fedrizzi me disse que só tinha um jeito de saber: perguntando ao Marchezan. Eu achava bacana o jeito do Marchezan se comunicar na propaganda dele. Via uma sinceridade nele, diferente de um político tradicional. Foi marcado um encontro entre nós. Achei que seria de 15 minutos. Foi um jantar de três horas só entre nós. A empatia foi imediata. Não digo que ele seja infalível, ninguém é, mas acredito que ele quer mesmo melhorar a cidade.
Alabarse: Recebi as críticas com serenidade. Rótulos não me pegam mais. Não sou de esquerda, não sou de direita, não sou de centro. Sou da cultura. Farei o que for necessário para trabalhar com cultura junto a pessoas que eu respeite. Nunca fui filiado a qualquer partido. Já trabalhei com secretários do PT, do PSDB e do DEM. Falavam que se o Marchezan ganhasse ele acabaria com a cultura e com o Porto Alegre em Cena. O Alfredo Fedrizzi me disse que só tinha um jeito de saber: perguntando ao Marchezan. Eu achava bacana o jeito do Marchezan se comunicar na propaganda dele. Via uma sinceridade nele, diferente de um político tradicional. Foi marcado um encontro entre nós. Achei que seria de 15 minutos. Foi um jantar de três horas só entre nós. A empatia foi imediata. Não digo que ele seja infalível, ninguém é, mas acredito que ele quer mesmo melhorar a cidade.
Correio do Povo: Por que não apoiaste Melo, da gestão na qual participavas?
Alabarse: Porque acredito na letra de uma canção da Elis Regina: o novo sempre vem. Se eu estivesse satisfeito com a administração e com o quadro da cultura, teria apoiado o Melo, mas eu tinha que tentar mudar. Entre os dois, apostei no novo. Estou feliz. A minha primeira impressão do prefeito no governo é ótima. Fui bombardeado, tratado como traidor da classe. Não traí nada. Construí uma ponte para melhorar a cultura. Não fiz isso para ter cargo. Sou dinossauro: tenho idealismos. Vi naquele jovem candidato uma chance de mudança.
Alabarse: Porque acredito na letra de uma canção da Elis Regina: o novo sempre vem. Se eu estivesse satisfeito com a administração e com o quadro da cultura, teria apoiado o Melo, mas eu tinha que tentar mudar. Entre os dois, apostei no novo. Estou feliz. A minha primeira impressão do prefeito no governo é ótima. Fui bombardeado, tratado como traidor da classe. Não traí nada. Construí uma ponte para melhorar a cultura. Não fiz isso para ter cargo. Sou dinossauro: tenho idealismos. Vi naquele jovem candidato uma chance de mudança.
Correio do Povo: E a relação com Wolf. Críticos falam no petista e no neoliberal.
Alabarse: Protesto veementemente: não sou petista.
Wolf: Luciano e eu nos conhecemos há 11 anos. Nunca em nossas conversas ideologias e partidos políticos foram assunto. Ninguém pode contestar a capacidade do Luciano como produtor e gestor cultural. Não estamos aqui para fazer contrapeso um ao outro. Luciano não tem preconceito com parcerias público-privadas. Eu também não tenho preconceitos com demandas reais. Não me incomodo quando me chamam de neoliberal. Mas sou da velha guarda. Tradicionalmente os partidos que não são vistos como de esquerda deram pouca importância à cultura. Isso mudou. Os grupos que se identificam como conservadores ou liberais são mais sofisticados hoje. Eles têm demandas. Eu me identifico com eles em vários pontos, especialmente no que se refere a uma desintoxicação ideológica dos ambientes culturais. Quando convidarmos alguém para trabalhar, não vamos fazer sua ficha corrida para saber em que partidos já votou, mas é óbvio que esta não será a administração para quem chegar com uma militância ideológica.
Alabarse: Eu sou um tropicalista. Gosto de misturar tudo. Aquilo que não é misturado me lembra purificação. Vou continuar como sempre fui.
Correio do Povo: Porto Alegre tem marcas fortes como o Porto Alegre em Cena. Fortalecê-las será o eixo principal desta nova gestão cultural?
Alabarse: Temos um calendário. Março será o mês da Semana de Porto Alegre. Setembro, Porto Alegre em Cena. Precisamos, mais do que de quantidade, trabalhar bem esses eventos que fazem parte da identidade da cidade. Se depender de mim, voltará o Festival de Inverno.
Wolf: Temos de transformar eventos em políticas públicas.
Correio do Povo: As parcerias público-privadas terão ênfase?
Alabarse: Faço teatro há 40 anos. Nunca coloquei uma peça minha em lei de incentivo. Sempre paguei do meu bolso. Mas sei da importância dos mecanismos de fomento. O Estado precisa ajudar quando não é possível captar no mercado. O Porto Alegre em Cena tem 90% de patrocinadores incentivados. Quero também transformar o Porto Alegre em Cena numa fundação para que não dependa desta ou daquela pessoa ou governo. O Em Cena é uma instituição da cidade. Precisa de autonomia.
Correio do Povo: Como ficará o Carnaval?
Alabarse: O prefeito nos chamou para falar da realidade orçamentária assustadora da prefeitura. Mostrou que precisa fazer escolhas. O Carnaval não receberá um centavo de dinheiro público em 2017. Mas ele se mostrou disponível para ajudar a buscar patrocínio privado para o Carnaval. Vamos participar dessa força-tarefa. Foi uma decisão consciente, corajosa e transparente. Caxias e Santa Maria farão o mesmo. Canoas só terá duas muambas. As prefeituras estão no vermelho. Vamos trabalhar com muito empenho para achar as soluções possíveis.
Por Juremir Machado da Silva e Luiz Gonzaga Lopes