Durante a semana de aniversário da cidade, a
Porto Alegre Cia. de Dança, idealizada e mantida pela persistência de Tânia
Bauman, com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura, trouxe ao palco da
sala Bruno Kiefer, da Casa de Cultura Mário Quintana, o espetáculo As únicas
coisas eternas são as nuvens. Trata-se de um criativo espetáculo assinado pelo
coreógrafo paulista João Butoh, a partir da poesia de Mario Quintana: nada mais
oportuno, pois, que o espetáculo ocorresse naquele espaço que foi, durante muito
tempo, a casa do poeta da Rua dos Cataventos. A coreografia de João Butoh
apresentou uma proposta diferente e relativamente ousada. Como o sobrenome do
artista indica, o coreógrafo inspirou-se na estética do butoh, dança que surgiu
no pós-guerra, no Japão, mesclando a tradição nipônica com as novas linhas de
criação do ocidente, especialmente da Europa. A criação que resulta desta mescla
distancia-se do forte simbolismo da arte tradicional japonesa para buscar a
individualidade. Como ela não é, contudo, individualizada, torna-se como uma
máscara universal, representando sentimentos e experiências humanas que, embora
individuais, tornam-se universais.
A concepção do espetáculo é extremamente
criativa: o coreógrafo, que assina também o figurino e a cenografia tendo o
auxílio de Maurício Moura e Fabrício Simões para a criação da iluminação - o
que, neste caso, tornou-se fundamental - mistura, na trilha sonora, composições
eruditas com a tradição da modinha e a música popular brasileira e trilhas
sonoras de filmes, especialmente os musicais norte-americanos. Ao mesmo tempo,
localizou e utiliza antigos discos em que o próprio poeta gravou sua obra: mesmo
que consideremos que Quintana certamente não será o melhor intérprete de seus
poemas, é evidente que o valor emotivo de termos sua voz ao longo de todo um
espetáculo é profundamente impactante e emocionante. Ao mesmo tempo, o
coreógrafo idealizou um ambiente marcadamente branco - onírico - que reflete
fortemente a poesia de Quintana, com certa nostalgia que talvez nem sempre seja
a minha melhor leitura dos poemas, mas que é uma possibilidade de leitura de sua
obra.
Embora anunciados no programa seis bailarinos,
tivemos apenas cinco deles: não sei em que isso pode prejudicar o espetáculo,
mas não cheguei a sentir falta deste sexto nome divulgado, mas ausente. Cada
intérprete, embora faça parte de um conjunto, guarda sua individualidade, o que
se traduz em movimentos que, muitas vezes, se diferenciam todos entre si, embora
sem pretender fugir de um ritmo maior, coletivo. Com uma maquiagem muito
expressiva - pena que não se identifique no programa o responsável pela mesma -
e movimentos que remetem imediatamente às coreografias das mais tradicionais
encenações japonesas, como o kabuki, o butoh, surgido na década de 1950, exige
extrema qualificação do intérprete: ao contrário do espetáculo japonês, em que a
maquiagem se transforma em máscara que simboliza sentimentos, a maquiagem do
butoh não cobre inteiramente o rosto do intérprete, de modo que cada bailarino
expressa-se de maneira pessoal, ainda que deva atender a uma orientação mais
geral e coletiva. Tal escolha, evidentemente, foi mais do que oportuna para
trazer a poesia de Mario Quintana ao palco, sobretudo em se tratando da semana
daquela cidade que o poeta tão bem sentiu e traduziu em sua obra.
O resultado, num espetáculo de cerca de uma
hora de duração, foi, sobretudo, de apresentação e aproximação. O coreógrafo
evidenciou tripla sensibilidade: na escolha do tema, na seleção dos poemas e,
enfim, na criação coreográfica. Aqui, interessa menos se a gente gostou mais ou
gostei menos (eu gostei muito), mas o espectador deve deixar-se levar pelo que
lhe é apresentado no palco, sem buscar racionalizar, mas sim, sentir o que está
a assistir.
É lamentável, apenas, que pouca gente tenha
ido à estreia: nem secretários de Cultura (municipal ou estadual) nem
prefeito... Pessoalmente, como um simples cidadão, curti, me emocionei (matando
saudades da voz de Quintana, visualizando seus poemas, admirando os movimentos
sensíveis mas seguros dos bailarinos). Foi um bom momento na ribalta
porto-alegrense. Azar de quem não foi.