VIA ZERO HORA:
Na cara e na coragem
Artistas reconhecem melhorias nas políticas públicas voltadas ao audiovisual, mas seguem lutando por mais oportunidades
20/08/2014 | 22h19
Cena
de "Trique-Trique", da produtora Sofá Verde, que arrebanhou os prêmios
de direção, ator coadjuvante e fotografia do Histórias Curtas RBSTV de
2013
Foto:
Sofá Verde / Divulgação
Na terça-feira, a cineasta Jasmila Žbanić listou dicas
para vencer a falta de investimento em cultura na Bósnia, cujo governo
dedica módicos 500 mil euros aos filmes. Não é exatamente o caso
brasileiro. Para ficar por aqui e por agora, o governo gaúcho e a
Agência Nacional do Cinema (Ancine) acabam de oferecer, em edital, R$ 5 milhões
para a produção de longas-metragens de ficção e documentário. Mas não é
como se a lida do cineasta se resolvesse com uma câmera na mão e uma
ideia na cabeça.
– Desde 2002, a política para o audiovisual cresceu muito e, este ano, o Estado abriu um edital depois de 10 anos (sem editais). Concordo que falta incentivo, mas também falta um acordo maior entre a verba gerada pelo governo e as lideranças da classe cinematográfica – diz Alice Castiel, da Sofá Verde Filmes, criticando a segmentação por gênero dos recursos no edital gaúcho, ao contrário da maior “liberdade criativa” dos editais mais recentes de Minas Gerais e Pernambuco, além da obrigação de vincular o filme a uma distribuidora, o que poderia acabar prejudicando os estreantes.
A Sofá Verde divide casa com a Avante Filmes, oriundos todos – “há quatro, cinco, seis anos” – de cursos da PUCRS e da Unisinos. A casa conjunta foi o jeito encontrado não apenas para garantir um ambiente de troca de ideias, mas também para reduzir os custos. Embora reconheça melhorias nas políticas públicas, Alice entende que é necessário superar o “raciocínio provinciano” que daria vazão a regras restritivas nos editais.
– É muito difícil fazer cinema em Porto Alegre, e o cinema gaúcho é cada vez menos visto fora daqui. O Castanha passou em Berlim, mas é uma exceção, e algo que já acontecia há muito tempo. As coisas estão voltando a funcionar pelo esforço, mas ainda falta um melhor aproveitamento do dinheiro investido – observa Alice.
As soluções, entretanto, nem sempre passam pelo cheque. Após vitória em edital do Fumproarte, da prefeitura de Porto Alegre, o pessoal da Sofá Verde percebeu que a grana era insuficiente para filmar O Corpo na Capital, e a vitória só valeu comemoração por força da hospitalidade do interior.
– Precisávamos de uma locação distante, bucólica, e não tínhamos orçado hotel nem deslocamento. Conseguimos o apoio da prefeitura de Bento Gonçalves, que nos recebeu extremamente bem, fornecendo hospedagem, banheiro químico e um gerador (de energia) – lembra Alice, apontando ainda as alternativas do crowdfunding e de “fazer no amor”, exemplo da vizinha Avante.
Do próprio bolso
A Machina Filmes, de Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques, é outro caso desse “fazer no amor”. Os três curtas da produtora saíram de economias reunidas via “empregos diurnos”, que Rafael e Taísa abandonariam para se dedicar exclusivamente ao cinema.
– Fizemos nosso primeiro filme com R$ 3 mil, e quem trabalhou não recebeu praticamente nada, alguns só a comida. O Caçador (curta-metragem mais recente da Machina) teve uma equipe bem pequena e também foi feito com grana nossa. Agora estamos tentando os editais – conta Rafael, que já viu duas tentativas anteriores morrerem na praia.
Para pagar as contas, o contagotas de trabalhos publicitários ou institucionais. De resto, segurar as pontas para a próxima produção:
– Não tem como fazer cinema sem incentivo, a não ser que tu tenhas um benfeitor, como um edital ou uma emissora. Algumas pessoas recorrem ao Catarse, como o Ulisses da Motta Costa em seu curta Kassandra, um filme muito bem feito. Talvez seja uma solução para complementar o orçamento quando falta grana. Ficando só no Catarse, dá para fazer um filme, mas sob condições difíceis e dependendo da boa vontade da equipe, porque todos estarão sendo mal pagos – repara Rafael.
O roteirista e diretor – e ator, se apertarem o preço e o prazo – fala ainda que fazer cinema é “um exercício de paciência”. Pronto o roteiro, após meses de análise e discussão, são mais outros meses de aprontar um projeto, inscrever em edital, viabilizar o filme e, só então, começar a rodar. Com tanto atraso, a faísca do artista pode acender desbotada na hora da filmagem.
A maré é alta
A Casa de Cinema de Porto Alegre data de 1987, e de lá para cá projetou no panteão cultural do país obras como Ilha das Flores, O Homem que Copiava e Saneamento Básico, o filme. Sócia da Casa ao lado de Giba Assis Brasil, Jorge Furtado e Nora Goulart, Ana Luiza Azevedo reforça que “não é correto afirmar que os nossos governos incentivam pouco o cinema nacional”.
Quanto ao governo federal, Ana destaca o Fundo Setorial do Audiovisual (Ancine), os editais de empresas públicas (BNDES, Petrobras, Eletrobras), a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet.
– Além disso, o Ministério da Cultura tem feito editais para produção de curtas, documentários, longas de baixo orçamento, desenvolvimento de roteiro e editais dirigidos a temáticas específicas – aponta a cineasta, reiterando que “nunca se produziu tanto e nunca houve tanto incentivo ao audiovisual no Brasil”.
No Estado, Ana observa que, “depois de dois governos sem qualquer ação de apoio ao audiovisual, voltamos a ter um governo que se preocupa em criar ações e políticas de incentivo à produção audiovisual”:
– A verba e as ações ainda foram tímidas, mas aconteceram. Nós queríamos mais, mas não podemos dizer que não existe incentivo estadual ao cinema – conclui.
Para Alice Castiel, produtora da Sofá Verde, o importante é não desistir:
– Não dá para desistir. Fazer cinema sozinho é muito difícil. É muito importante encontrar a tua turma, sair da faculdade, encontrar pessoas que acreditem nas mesmas coisas que tu, inscrever filmes em editais, se voltar para as políticas culturais e públicas, frequentar reuniões em associações, bater o pé, batalhar. E não desistir.
– Desde 2002, a política para o audiovisual cresceu muito e, este ano, o Estado abriu um edital depois de 10 anos (sem editais). Concordo que falta incentivo, mas também falta um acordo maior entre a verba gerada pelo governo e as lideranças da classe cinematográfica – diz Alice Castiel, da Sofá Verde Filmes, criticando a segmentação por gênero dos recursos no edital gaúcho, ao contrário da maior “liberdade criativa” dos editais mais recentes de Minas Gerais e Pernambuco, além da obrigação de vincular o filme a uma distribuidora, o que poderia acabar prejudicando os estreantes.
A Sofá Verde divide casa com a Avante Filmes, oriundos todos – “há quatro, cinco, seis anos” – de cursos da PUCRS e da Unisinos. A casa conjunta foi o jeito encontrado não apenas para garantir um ambiente de troca de ideias, mas também para reduzir os custos. Embora reconheça melhorias nas políticas públicas, Alice entende que é necessário superar o “raciocínio provinciano” que daria vazão a regras restritivas nos editais.
– É muito difícil fazer cinema em Porto Alegre, e o cinema gaúcho é cada vez menos visto fora daqui. O Castanha passou em Berlim, mas é uma exceção, e algo que já acontecia há muito tempo. As coisas estão voltando a funcionar pelo esforço, mas ainda falta um melhor aproveitamento do dinheiro investido – observa Alice.
As soluções, entretanto, nem sempre passam pelo cheque. Após vitória em edital do Fumproarte, da prefeitura de Porto Alegre, o pessoal da Sofá Verde percebeu que a grana era insuficiente para filmar O Corpo na Capital, e a vitória só valeu comemoração por força da hospitalidade do interior.
– Precisávamos de uma locação distante, bucólica, e não tínhamos orçado hotel nem deslocamento. Conseguimos o apoio da prefeitura de Bento Gonçalves, que nos recebeu extremamente bem, fornecendo hospedagem, banheiro químico e um gerador (de energia) – lembra Alice, apontando ainda as alternativas do crowdfunding e de “fazer no amor”, exemplo da vizinha Avante.
Do próprio bolso
A Machina Filmes, de Rafael Duarte e Taísa Ennes Marques, é outro caso desse “fazer no amor”. Os três curtas da produtora saíram de economias reunidas via “empregos diurnos”, que Rafael e Taísa abandonariam para se dedicar exclusivamente ao cinema.
– Fizemos nosso primeiro filme com R$ 3 mil, e quem trabalhou não recebeu praticamente nada, alguns só a comida. O Caçador (curta-metragem mais recente da Machina) teve uma equipe bem pequena e também foi feito com grana nossa. Agora estamos tentando os editais – conta Rafael, que já viu duas tentativas anteriores morrerem na praia.
Para pagar as contas, o contagotas de trabalhos publicitários ou institucionais. De resto, segurar as pontas para a próxima produção:
– Não tem como fazer cinema sem incentivo, a não ser que tu tenhas um benfeitor, como um edital ou uma emissora. Algumas pessoas recorrem ao Catarse, como o Ulisses da Motta Costa em seu curta Kassandra, um filme muito bem feito. Talvez seja uma solução para complementar o orçamento quando falta grana. Ficando só no Catarse, dá para fazer um filme, mas sob condições difíceis e dependendo da boa vontade da equipe, porque todos estarão sendo mal pagos – repara Rafael.
O roteirista e diretor – e ator, se apertarem o preço e o prazo – fala ainda que fazer cinema é “um exercício de paciência”. Pronto o roteiro, após meses de análise e discussão, são mais outros meses de aprontar um projeto, inscrever em edital, viabilizar o filme e, só então, começar a rodar. Com tanto atraso, a faísca do artista pode acender desbotada na hora da filmagem.
A maré é alta
A Casa de Cinema de Porto Alegre data de 1987, e de lá para cá projetou no panteão cultural do país obras como Ilha das Flores, O Homem que Copiava e Saneamento Básico, o filme. Sócia da Casa ao lado de Giba Assis Brasil, Jorge Furtado e Nora Goulart, Ana Luiza Azevedo reforça que “não é correto afirmar que os nossos governos incentivam pouco o cinema nacional”.
Quanto ao governo federal, Ana destaca o Fundo Setorial do Audiovisual (Ancine), os editais de empresas públicas (BNDES, Petrobras, Eletrobras), a Lei do Audiovisual e a Lei Rouanet.
– Além disso, o Ministério da Cultura tem feito editais para produção de curtas, documentários, longas de baixo orçamento, desenvolvimento de roteiro e editais dirigidos a temáticas específicas – aponta a cineasta, reiterando que “nunca se produziu tanto e nunca houve tanto incentivo ao audiovisual no Brasil”.
No Estado, Ana observa que, “depois de dois governos sem qualquer ação de apoio ao audiovisual, voltamos a ter um governo que se preocupa em criar ações e políticas de incentivo à produção audiovisual”:
– A verba e as ações ainda foram tímidas, mas aconteceram. Nós queríamos mais, mas não podemos dizer que não existe incentivo estadual ao cinema – conclui.
Para Alice Castiel, produtora da Sofá Verde, o importante é não desistir:
– Não dá para desistir. Fazer cinema sozinho é muito difícil. É muito importante encontrar a tua turma, sair da faculdade, encontrar pessoas que acreditem nas mesmas coisas que tu, inscrever filmes em editais, se voltar para as políticas culturais e públicas, frequentar reuniões em associações, bater o pé, batalhar. E não desistir.