O prefeito eleito de Porto Alegre elogiou a presidente Dilma
Rousseff, mas criticou o "rancor" do PT na cidade e afastou qualquer
possibilidade de aliança para 2014
Foto: Luciano Lanes / Divulgação
Foto: Luciano Lanes / Divulgação
Eleito no primeiro turno com 65% dos votos, o prefeito de Porto Alegre (RS), José Fortunati (PDT),
promete retribuir a confiança recebida nas urnas com grandes obras de
mobilidade urbana, melhorias na saúde e na educação pública,
revitalização de pontos tradicionais da cidade e parcerias com o governo
estadual para garantir a segurança da população nos próximos quatro
anos. Em entrevista exclusiva ao Terra, o pedetista -
que está no cargo desde março de 2010, quando deu continuidade ao
mandato de José Fogaça (PMDB) - elogiou Dilma Rousseff (PT) e assegurou
"lealdade" à presidente em uma eventual reeleição, mas criticou o
"rancor" do partido na capital gaúcha e se disse cada vez mais distante
de uma aliança.
Fortunati espera aproveitar a Copa do Mundo de 2014 para alavancar as
obras e afirmou estar vivendo um sonho, salientando que vai cumprir seu
mandato até o final e antecipando que "assina embaixo", de forma
"natural", uma candidatura ao governo do Estado em 2018. Confira a
seguir os principais trechos da entrevista, concedida na sede da
prefeitura em 17 de dezembro.
Terra - O seu mandato será de continuidade ou de inovação?
José Fortunati - Eu tenho a clara percepção de que
faço parte de um projeto político que começou em 2005, com a eleição de
José Fogaça, foi renovado em 2008, quando ele foi reeleito e eu eleito
vice-prefeito, e teve continuidade quando eu assumi a prefeitura em 30
de março de 2010. Naturalmente, com a minha eleição para 2013, o projeto
tem de ter continuidade, mas não será um mero continuísmo. Eu tenho
percepção plena de que a cidade quer mais e é por isso que usamos o
slogan “fazer mais, fazer melhor” na campanha. Não dá para simplesmente
continuar fazendo o que estamos fazendo, temos de ter mais empenho na
próxima gestão. Não há ruptura nisso, e sim uma continuidade com mais
qualidade.
Terra - Como o senhor pretende fazer o transporte público
funcionar melhor e como avalia o sucateamento e as denúncias de uso
político da Carris (empresa pública de transporte)?
Fortunati - Tenho plena convicção de que a atual
gestão da Carris não cometeu nenhuma irregularidade. Ela tem procurado
conduzir a empresa de forma adequada, mas tem insuficiências
administrativas. Por isso, já decidi a contratação de uma empresa de
consultoria para que entre na Carris e faça um profundo levantamento
gerencial e de gestão, para que a gente possa tomar as medidas
adequadas. Não tem nada que macule a atual direção, o que nós temos que
tomar são providências para que a Carris continue com um serviço de
qualidade e operando numa zona de conforto também financeira.
A mobilidade urbana é um tema que ganha cada vez mais destaque na
cidade, especialmente pelo grande volume de automóveis. Em Londres, o
prefeito optou por reduzir de forma drástica o número de veículos na
área central da cidade através do pedágio eletrônico. Essa não é uma
ideia para Porto Alegre. Ainda temos um número de veículos adequado, mas
para evitar um colapso do sistema, vamos, além de realizar 10 grandes
obras viárias, apostar em transporte coletivo. Aí vem a implantação dos
BRTs para reduzir a dramática jornada de 30 mil viagens diárias de
ônibus para o centro da cidade. Como ele é muito atípico, já que é
cortado pelo muro do Cais Mauá, essas viagens causam um tumulto muito
forte no trânsito e na mobilidade urbana de forma desnecessária. Com a
colocação dos BRTs, nós vamos fazer com que haja uma conexão automática
de todos os sistemas de transporte da região metropolitana e das regiões
mais distantes da capital, dando com isso maior velocidade e qualidade.
Terra - E o metrô, é para quando?
Fortunati - Estamos agora na manifestação de
interesse, onde as empresas deverão apresentar seus estudos até 15 de
janeiro de 2013, e em seguida começamos a elaborar a licitação do metrô.
Eu acredito que ela esteja concluída até a metade do ano e depois disso
teremos o projeto executivo. Espero que no final de 2013 e início de
2014 o metrô de Porto Alegre já esteja em obras. Não existe qualquer
desapropriação ao longo de todo o roteiro e isso é uma facilidade. Ele
será um metrô logo abaixo da terra e não vai exigir grandes escavações.
Se usarmos o tatuzão, o metrô poderá ter as obras prontas em até três
anos e meio. A previsão de entrega é final de 2017 e início de 2018.
Como nós ficamos discutindo a modelagem financeira do metrô com o
governo federal durante um ano, houve atraso e é um prazo que não há
como recuperar.
Estamos apostando também no transporte hidroviário e teremos uma linha
que irá até o extremo sul da cidade. As bicicletas também têm cada vez
mais se multiplicado em Porto Alegre e apostamos de um lado na
construção de ciclovias e de outro na mudança de cultura dos motoristas
de automóveis, com um respeito mais forte. Estamos percebendo mudanças.
Eu acredito que a bicicleta vai passar a ser não somente uma fonte de
lazer ou esporte, mas também de mobilidade.
Terra - Como está o projeto de revitalização do Cais Mauá (uma das obras da Copa do Mundo de 2014)?
Fortunati - Finalmente o Consórcio Cais Mauá fechou a
modelagem financeira e conseguiu dois grandes investidores brasileiros.
Estamos ultimando os projetos e temos um cálculo de que até março ou
abril iniciam-se as obras de requalificação cais. Até a Copa de 2014
teremos a área dos armazéns concluída. Serão mais de 2 km de mix de
atividades, como centro cultural, restaurantes e pontos de encontro. O
projeto total deverá ficar pronto até 2016. Estou analisando os 27
projetos complementares da orla do rio Guaíba, até fevereiro de 2013 o
licenciamento interno da prefeitura deve estar concluído e poderei fazer
a licitação para revitalização da fase inicial, que é 1,5 km do entorno
da Usina do Gasômetro, em direção à zona sul.
Terra - Essa região será privatizada?
Fortunati - Quem afirma isso desconhece o que acontece
com relação ao Cais Mauá. Quem é que tem acesso hoje ao cais? Pouca
gente. Com essa parceria público-privada, o cais vai se tornar público.
Será um empreendimento privado, com acesso público. Cada armazém terá um
empreendimento, mas ele será todo aberto à população, sem cobrança de
ingresso. Historicamente, desde a construção do muro na década de 1960, o
porto-alegrense não tem acesso ao Cais Mauá. Em vez de privatizarmos,
estamos fazendo uma parceria para tornar o cais público.
Terra - Qual é a sua posição a respeito da denúncia
contra Cássio Trogildo (PTB), de uso da secretaria de Obras Viárias para
compra de votos?
Fortunati - Quando tomamos conhecimento da denúncia do
Ministério Público (MP), eu imediatamente solicitei contato com o MP
para que a gente auxiliasse em tudo que eles entendessem adequado, e
colaboramos. A partir do momento em que houve a denúncia formal, tomei a
decisão de afastar o secretário municipal de Obras e Viação, Cássio
Trogildo, que estava denunciado. Eu analiso isso com tranquilidade. O
que estamos fazendo é buscar mecanismos para evitar que fatos idênticos
aconteçam. A cada momento, eu trabalho para tornar mais transparentes as
ações dos servidores e da máquina pública, porque quanto mais
transparente elas forem, menor é a possibilidade de termos qualquer ato
lesivo ao interesse público. Nós temos que terminar com a criação de
dificuldades para que alguns possam buscar facilidades.
Terra - Qual será o espaço do PP no seu governo? E o Wambert di
Lorenzo (candidato do PSDB à prefeitura de Porto Alegre), será seu
secretário?
Fortunati - Não, o Wambert foi convidado pelo
vice-prefeito eleito, Sebastião Melo (PMDB), para compor o seu gabinete
numa atividade de relações com a Câmara de Vereadores e a sociedade. Ele
aceitou o convite e fará parte do gabinete de Melo. O PP certamente
terá um espaço maior. Ele tem hoje duas secretarias e deverá contar no
próximo mandato com quatro secretarias, que estamos definindo quais
serão.
Terra - O senhor vai aumentar ou diminuir os cargos em comissão?
Fortunati - Estamos buscando uma qualificação dos
serviços públicos. Fizemos um estudo sobre as secretarias e percebemos
que existem várias com sombreamento entre si. Estamos retirando esses
sombreamentos para que cada secretaria cumpra com o seu papel, cada uma
deve ser potencializada ao máximo nas suas ações. Diminuímos cargos em
comissão (CCs) na Procempa, nossa empresa de de tecnologia da informação
(TI), na Carris e na EPTC (Empresa Pública de Transporte e Circulação).
Estamos criando 341 cargos e extinguindo 343. Obviamente há custos,
porque estamos qualificando a máquina para dar maior transparência e
celeridade no serviço público. Nessa operação, teremos algo em torno de
R$ 8,5 milhões de custos ao ano.
Terra - E a relação com o PT, como está depois da campanha eleitoral?
Fortunati - Eu vejo vários PTs. Um é o PT nacional,
que está hoje comandando o País e com o qual eu tenho uma relação
propositiva, construtiva. Não tenho dúvidas de que o governo da
presidente Dilma Rousseff tem sido muito bom para nossas parcerias. Na
última sexta-feira, por exemplo, a ministra Miriam Belchior
(Planejamento) me telefonou dando conta de que foi aprovado um projeto
de R$ 237 milhões para o departamento de Saneamento Básico, através do
Orçamento Geral da União. Isso mostra a parceria que temos. Nós
conquistamos R$ 800 milhões com o PAC da Copa. Em nível estadual, é uma
relação institucional. Temos procurado manter um bom diálogo com o
governo estadual (Tarso Genro, do PT), que começa a se aprofundar a
partir duma relação que construímos depois das eleições, especialmente
na área da segurança e saúde.
Já com o PT de Porto Alegre, a relação vai de mal a pior. Aqui nós
temos um PT radicalizado, que não quer discutir a cidade. Eu sou atacado
diariamente, 24 horas por dia. Para eles, qualquer iniciativa do
governo municipal tem que ser atacada e isso vai ter consequências. A
primeira é me levar a defender candidatura própria do PDT em 2014,
porque eu não vou fazer qualquer inflexão em 2014 que aproxime os dois
partidos se tenho na minha cidade um PT rancoroso. Eu sou prefeito da
capital de todos os gaúchos, sou o prefeito que representa o PDT na
maior cidade do Estado, não tem como pensar 2014 com o PT corrosivo como
está. Isso está me levando ao afastamento total do PT do Rio Grande do
Sul. Vou apoiar a presidente Dilma em 2014 e a minha lealdade a essa
relação continua. Ela está fazendo um excelente governo, diferentemente
do que acontece aqui no Estado.
Terra - E se o PT mudar de posição?
Fortunati - Precisamos estar abertos para construir.
Eu não posso simplesmente olhar para 2014 e dizer que estaremos juntos,
se estou todos os dias com o próprio PT solapando o meu governo. Ou nós
somos parceiros de forma diferenciada e discutimos as coisas de forma
aberta e construímos soluções, ou eu não posso ter uma posição que acaba
sendo diferente no meu pensar 2014, sem olhar para a cidade.
Terra - O PDT defende o ensino integral na educação. É sua bandeira também?
Fortunati - Com certeza. Isso pode ser implantado de
forma gradativa em Porto Alegre. Estamos hoje com cinco escolas de
ensino fundamental em tempo integral e estamos iniciando a construção de
mais cinco em lugares onde a demanda está necessitando. Todas as nossas
42 escolas infantis são em tempo integral. Caminhamos gradativamente e o
meu objetivo é que até o final deste mandato nós tenhamos em Porto
Alegre todas as escolas públicas municipais funcionando em tempo
integral.
Terra - É uma ideia bem audaciosa. Ela passa por verba ou reestruturação?
Fortunati - É bem audaciosa, mas necessária. Passa
pelas duas coisas. Falando em verba, já reuni minha equipe da educação
para começarmos a discutir a gestão dos próximos quatro anos de uma
forma muito precisa, para vermos onde a gente pode utilizar recursos,
fazendo com que eles possam ser canalizados para o fortalecimento da
escola em tempo integral.
Terra - O Tribunal de Contas da União divulgou um estudo
mostrando que Porto Alegre tem um déficit de 189 mil vagas em creches.
Como resolver isso?
Fortunati - Não é por passe de mágica. Nós temos hoje
40 creches ou em execução ou já planejadas, cada uma abrigando 120
crianças. Como diria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nunca
antes nessa cidade tantas creches foram construídas. O que nós iremos
fazer nos próximos quatros anos ficará sem precedentes. Eu tenho
convicção de que não conseguirei atender a todas as crianças de 0 a 6
anos, mas vou tentar atender as crianças de 3 a 6 anos até o final do
atual mandato.
Terra - E o problema das emergências hospitalares superlotadas, qual é a solução?
Fortunati - Estamos resolvendo. Aquilo que eu disse em
março de 2010, de que a saúde pública seria a minha prioridade, está
começando a aparecer na prática. A regulação de leitos é um exemplo.
Quem é o gestor dos leitos hospitalares de qualquer hospital que atenda
pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é a prefeitura. Quando eu assumi em
2010, nós regulávamos apenas 2% deles, ou seja, eu sabia quem estava em
apenas 2% dos leitos. Acabamos descobrindo que havia fraude na ocupação
de leitos e há denúncias permanentes de indicação, os QIs. Agora estamos
com 50% da regularização e vamos chegar ao final de 2013 com 100%. Isso
fará com que os leitos sejam ocupados por quem realmente necessita e
pelo SUS.
Também estamos ampliando o número de leitos. No último ano foram 500, e
isso está dando suporte às emergências e diminuindo a pressão sobre
elas. Inauguramos mais uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA), a da
zona norte, para desafogar o Hospital Conceição e o Hospital de Pronto
Socorro (HPS), e finalmente conseguimos liberar um terreno utilizado
como estacionamento para a construção de uma nova UPA, ao lado do
Palácio da Polícia. Além disso, já estamos com o terreno comprado para a
construção da terceira UPA no Largo Cairi. Tudo isso está criando as
condições para que em pouco tempo a gente possa dar uma assistência mais
adequada nas emergências. Estamos também informatizando todo o sistema
de saúde. Hoje, 97% da nossa rede está informatizada e isso significa
que, além do controle eletrônico do ponto, instalado no ano passado, nós
temos o prontuário eletrônico e o chamado sistema de saúde à distância,
com serviços que não necessitam levar o paciente até um hospital. Até
2014, a previsão é de que tenhamos mais de 1,1 mil leitos entregues.
Saúde pública continua sendo prioridade absoluta.
Terra - Como o senhor vai entregar a cidade para o próximo prefeito? O que vai ficar da Copa do Mundo?
Fortunati - Eu espero entregar uma cidade melhor, para
que as pessoas vivam em Porto Alegre, com as obras de mobilidade
urbana, qualificação do transporte coletivo, revitalização do Cais Mauá e
da orla do Guaíba, saúde pública de melhor qualidade e mais segurança,
em parceria com o governo do Estado. A pretensão é de que a gente, com a
realização da Copa do Mundo - não por causa do evento em si, mas usando
o argumento da Copa - consigamos trazer para Porto Alegre investimentos
que há muito tempo eram aguardados, mas não saíam do papel por falta de
recursos. Isso só está acontecendo "graças" à Copa do Mundo e ficará
como um grande legado. Espero que, ao sair do governo em 31 de dezembro
de 2016, realmente possa olhar para a cidade e ver uma maior qualidade
de vida.
Terra - E o senhor sai mesmo em dezembro de 2016?
Fortunati - Se Deus permitir, com toda certeza.
Terra - Um bom mandato na prefeitura o credencia para o governo do Estado?
Fortunati - De forma natural. Honestamente, não é essa
a minha preocupação no momento. Agora eu quero fazer uma boa gestão em
Porto Alegre. Depois disso, a gente analisa o próximo passo.
Terra - Dado esse cenário político de afastamento com o PT, é natural que surja o seu nome no PDT para 2018?
Fortunati - O PDT já lançou meu nome para 2018. Eu
disse ao meu presidente, Romildo Bolzan Jr. (presidente estadual do
PDT), que ele está muito antecipado no calendário, mas ele explicou que é
exatamente para corroborar a minha tese de que eu não sou candidato em
2014. Quando as pessoas perguntam "e o Fortunati?", ele diz que é nosso
grande candidato para 2018. Aí eu assino embaixo, porque isso retira
toda e qualquer pressão sobre 2014. Eu tenho compromisso com o povo de
Porto Alegre, um compromisso pessoal comigo mesmo de cumprir o meu
mandato até 31 de dezembro de 2016. Hoje é meu sonho.