Folclorista que serviu de modelo à estátua critica condições do local e o laço da escultura
Côrtes teme que erros comprometam simbologia do gaúcho
Foto:
Ricardo Duarte / Agencia RBS
André Mags
Foi a primeira vez em um mês, devido a problemas de saúde, que o
folclorista João Carlos D'Ávila Paixão Côrtes, 85 anos, deixou seu
apartamento no bairro Independência, em Porto Alegre, para um passeio
longo. Sob o intenso calor de sexta-feira, seguiu, acompanhado pela
mulher, Marina, até um símbolo que considera desrespeitado: O Laçador, a
estátua para a qual serviu de modelo há 58 anos.
Apesar de branco, o bigode de Paixão Côrtes é sua marca registrada, que garante acenos dos motoristas de passagem pelo local. O que mudou em quase seis décadas é que o folclorista está mais magro e já não conta com a força irradiada pela estátua. Sob o sol, ele caminha cauteloso. Admite sentir emoção ao chegar ao ponto turístico, porém, quando perguntado sobre esse sentimento, cita Antônio Caringi, o artista que o esculpiu em bronze, e não o monumento de 4m45cm de altura e 3,8 toneladas, inaugurado em 1958:
— Ele não falava de sua obra, e, sim, de sua preocupação com a arte.
De olho na estátua, Paixão Côrtes enumera as "deformações". Não se prende muito às depredações e aos erros de português. O que mais o atormenta é o laço. O objeto está solto porque faltam as rodilhas que lhe preenchiam a mão. Depois de furtos da peça, a atual, feita de aço, não representa a realidade dos laçadores dos campos gaúchos. Menor do que o original, ilude a proporção entre armada, presilhas e rodilhas. Falta, ainda, a ilhapa, parte mais grossa que fica junto à argola e serve para segurar o gado.
Defeitos no laço motivam piadas com o tradicionalista
Paixão Côrtes brinca sobre as conversas com os amigos laçadores para driblar o constrangimento. Os homens sabem dos erros e questionam aquele que serviu de modelo de laçador.
— Paixão, como deixaste? — indagam.
O folclorista teme que os erros comprometam a simbologia do gaúcho. Em uma pasta, passa um a um fôlderes em que a figura aparece com distorções. O único momento em que Côrtes parece em paz com a obra é quando fala nos olhos d'O Laçador e repete o olhar retratado pelo artista.
— O olhar no infinito, na saída da porteira, olhando o gado para laçá-lo. É o domínio sobre o animal, não é somente controlá-lo. Eu tenho uma missão. Eu sou O Laçador.
As 10 queixas do folclorista
1- O nome original do espaço onde fica a estátua é Sítio O Laçador, mas as placas dizem Sítio do Laçador
2- A placa com o histórico d'O Laçador está depredada, e parte do texto que sobrou está errada — informa que a estátua ocupou anteriormente o Largo do Bombeador, mas na verdade o nome era Largo do Bombeiro. Também há erro na palavra "roda-dos-ventos", que substituiu a correta "rosa-dos-ventos"
3- A pira junto ao parlatório foi feita para receber a chama da pátria durante a Semana Farroupilha, mas não tem sido usada
4- O parlatório poderia receber eventos cívicos, o que não tem ocorrido
5- O laço da estátua está curto — o original era mais longo e tocava o chão para servir de apoio e reduzir o peso que o braço d'O Laçador tem de sustentar
6- Uma placa com a letra no Hino Rio-Grandense não contém o nome do seu autor (Francisco Pinto da Fontoura)
7- Não se encontra indicação alguma de onde esteja a flor-símbolo designada para o local, o brinco-de-princesa
8- Em homenagem ao Grupo dos Oito — fundador do primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o 35 CTG, em 1948 —, deveria haver oito palmeiras no entorno, porém, há somente sete
9- Não há placas na Avenida dos Estados para indicar O Laçador
10- Ao lado do pedestal de concreto, a chuva abriu um sulco no chão, o que, futuramente, poderia comprometer a estrutura
Contrapontos
Vandalismo
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) garante que O Laçador recebe constante manutenção com tinta antipichação, lavagens e serviços de jardinagem em parceria com a Coral Tower.
O laço
A Smam destaca que, em 22 de setembro de 2008, na presença de Paixão Côrtes, a prefeitura inaugurou uma nova peça, atendendo a reivindicações do folclorista.
O nome
A Smam explica que o espaço atual é denominado Sítio do Laçador e que "sítio, neste caso, é utilizado como 'espaço onde se situa', e não como sinônimo de chácara". O erro está na preposição, que não existe no original Sítio O Laçador. A Smam lista outros nomes dados ao monumento: no livro O Laçador — Histórias de um Símbolo, de Paixão Côrtes, é chamado de estátua do Laçador.
As palmeiras
A Smam repôs o vegetal derrubado por um carro em 2011. Continua, porém, faltando uma árvore.
A grafia
Para a Smam, a placa de granito que traz a grafia "roda-dos-ventos" está correta, tendo sido assim concebida pelo autor do projeto do sítio, o arquiteto Sérgio Mantovani. Cita a Smam: "A roda, propriamente dita, representa de forma estilizada uma roda de carreta, incorporando em sua forma uma abordagem regional para a rosa-dos-ventos. O nome "roda-dos-ventos" buscou inspiração na obra Rodeio dos Ventos, de Barbosa Lessa, uma referência da cultura gaúcha.
O nome do largo
No painel de apresentação da obra, constava a informação Largo do Bombeador, mas o correto é Largo do Bombeiro, conforme o Decreto 327, de 1946, para identificar o espaço onde ficava o monumento (transferido para o sítio em 2007). A Smam defende que o largo não existe mais, e a denominação havia sido dada antes da existência da estátua. Ressalta, ainda, que bombeiro e bombeador são sinônimos. No entanto, o bombeiro do antigo largo se refere a uma obra de Marcos Bastos, que representa não um homem que combate o fogo, mas o guerreiro que ia à frente da tropa.
Risco estrutural
Segundo a Smam, não há chance de o sulco comprometer o monumento.
Melhorias previstas
A Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) lançou tomada de preços para elaboração de projeto de iluminação e elétrico para imóveis, monumentos e conjuntos tombados da Capital, que inclui O Laçador. A EPTC prevê placa na entrada da Capital indicando o "Sítio do Laçador".
Apesar de branco, o bigode de Paixão Côrtes é sua marca registrada, que garante acenos dos motoristas de passagem pelo local. O que mudou em quase seis décadas é que o folclorista está mais magro e já não conta com a força irradiada pela estátua. Sob o sol, ele caminha cauteloso. Admite sentir emoção ao chegar ao ponto turístico, porém, quando perguntado sobre esse sentimento, cita Antônio Caringi, o artista que o esculpiu em bronze, e não o monumento de 4m45cm de altura e 3,8 toneladas, inaugurado em 1958:
— Ele não falava de sua obra, e, sim, de sua preocupação com a arte.
De olho na estátua, Paixão Côrtes enumera as "deformações". Não se prende muito às depredações e aos erros de português. O que mais o atormenta é o laço. O objeto está solto porque faltam as rodilhas que lhe preenchiam a mão. Depois de furtos da peça, a atual, feita de aço, não representa a realidade dos laçadores dos campos gaúchos. Menor do que o original, ilude a proporção entre armada, presilhas e rodilhas. Falta, ainda, a ilhapa, parte mais grossa que fica junto à argola e serve para segurar o gado.
Defeitos no laço motivam piadas com o tradicionalista
Paixão Côrtes brinca sobre as conversas com os amigos laçadores para driblar o constrangimento. Os homens sabem dos erros e questionam aquele que serviu de modelo de laçador.
— Paixão, como deixaste? — indagam.
O folclorista teme que os erros comprometam a simbologia do gaúcho. Em uma pasta, passa um a um fôlderes em que a figura aparece com distorções. O único momento em que Côrtes parece em paz com a obra é quando fala nos olhos d'O Laçador e repete o olhar retratado pelo artista.
— O olhar no infinito, na saída da porteira, olhando o gado para laçá-lo. É o domínio sobre o animal, não é somente controlá-lo. Eu tenho uma missão. Eu sou O Laçador.
As 10 queixas do folclorista
1- O nome original do espaço onde fica a estátua é Sítio O Laçador, mas as placas dizem Sítio do Laçador
2- A placa com o histórico d'O Laçador está depredada, e parte do texto que sobrou está errada — informa que a estátua ocupou anteriormente o Largo do Bombeador, mas na verdade o nome era Largo do Bombeiro. Também há erro na palavra "roda-dos-ventos", que substituiu a correta "rosa-dos-ventos"
3- A pira junto ao parlatório foi feita para receber a chama da pátria durante a Semana Farroupilha, mas não tem sido usada
4- O parlatório poderia receber eventos cívicos, o que não tem ocorrido
5- O laço da estátua está curto — o original era mais longo e tocava o chão para servir de apoio e reduzir o peso que o braço d'O Laçador tem de sustentar
6- Uma placa com a letra no Hino Rio-Grandense não contém o nome do seu autor (Francisco Pinto da Fontoura)
7- Não se encontra indicação alguma de onde esteja a flor-símbolo designada para o local, o brinco-de-princesa
8- Em homenagem ao Grupo dos Oito — fundador do primeiro Centro de Tradições Gaúchas, o 35 CTG, em 1948 —, deveria haver oito palmeiras no entorno, porém, há somente sete
9- Não há placas na Avenida dos Estados para indicar O Laçador
10- Ao lado do pedestal de concreto, a chuva abriu um sulco no chão, o que, futuramente, poderia comprometer a estrutura
Contrapontos
Vandalismo
A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) garante que O Laçador recebe constante manutenção com tinta antipichação, lavagens e serviços de jardinagem em parceria com a Coral Tower.
O laço
A Smam destaca que, em 22 de setembro de 2008, na presença de Paixão Côrtes, a prefeitura inaugurou uma nova peça, atendendo a reivindicações do folclorista.
O nome
A Smam explica que o espaço atual é denominado Sítio do Laçador e que "sítio, neste caso, é utilizado como 'espaço onde se situa', e não como sinônimo de chácara". O erro está na preposição, que não existe no original Sítio O Laçador. A Smam lista outros nomes dados ao monumento: no livro O Laçador — Histórias de um Símbolo, de Paixão Côrtes, é chamado de estátua do Laçador.
As palmeiras
A Smam repôs o vegetal derrubado por um carro em 2011. Continua, porém, faltando uma árvore.
A grafia
Para a Smam, a placa de granito que traz a grafia "roda-dos-ventos" está correta, tendo sido assim concebida pelo autor do projeto do sítio, o arquiteto Sérgio Mantovani. Cita a Smam: "A roda, propriamente dita, representa de forma estilizada uma roda de carreta, incorporando em sua forma uma abordagem regional para a rosa-dos-ventos. O nome "roda-dos-ventos" buscou inspiração na obra Rodeio dos Ventos, de Barbosa Lessa, uma referência da cultura gaúcha.
O nome do largo
No painel de apresentação da obra, constava a informação Largo do Bombeador, mas o correto é Largo do Bombeiro, conforme o Decreto 327, de 1946, para identificar o espaço onde ficava o monumento (transferido para o sítio em 2007). A Smam defende que o largo não existe mais, e a denominação havia sido dada antes da existência da estátua. Ressalta, ainda, que bombeiro e bombeador são sinônimos. No entanto, o bombeiro do antigo largo se refere a uma obra de Marcos Bastos, que representa não um homem que combate o fogo, mas o guerreiro que ia à frente da tropa.
Risco estrutural
Segundo a Smam, não há chance de o sulco comprometer o monumento.
Melhorias previstas
A Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) lançou tomada de preços para elaboração de projeto de iluminação e elétrico para imóveis, monumentos e conjuntos tombados da Capital, que inclui O Laçador. A EPTC prevê placa na entrada da Capital indicando o "Sítio do Laçador".
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