Guto Leite | Foto: Tainá Colombrini |
Pra ti leitor, que quer ficar por dentro do
Prêmio Açorianos de Literatura 2012, a CLL continua as entrevistas a todo
vapor! Hoje é dia da categoria Criação Literária em Poesia, e quem falou
com a gente foi o finalista Carlos Augusto Bonifácio Leite, vulgo Guto
Leite. O escritor concorre a categoria com o livro Entrechos ou Valas do
Silêncio. Confere aí o que ele andou falando pra gente!
CLL - De que maneira começou a tua relação
com a poesia? Começou primordialmente por ela ou teve passagem por outros
gêneros literários?
Guto Leite - É uma relação desde muito cedo na
minha vida. Meu primeiro livrinho, artesanal, foi com sete ou oito anos. Como
minha mãe guardou, ainda me deparo com ele nas mudanças de casa. Mais tarde, na
adolescência, veio o gênero mais fácil pra mim, que é a canção popular. Mesmo
cansado, ainda consigo fazer poemas quando me dedico. A canção é a primeira a
cair fora em tempos atarefados.
CLL - Qual é a mesura entre um poema bom e um poema ruim? O que qualifica a poesia?
G.L - Costumo brincar, de maneira séria, que um
poema bom te acrescenta tempo, porque encurta o que você investiria normalmente
em maturidade existencial, linguística ou ambas. Um poema ruim te retira tempo,
você acaba o poema e sente que aquele autor te roubou alguns irreparáveis
momentos de vida. Mas o leitor de poesia não deve se enganar, a maioria dos
poemas que ele ler na vida serão ruins. Imagens bem construídas, o pulso ou
metro dominado, uma percepção não trivial das coisas são qualidades de muito
poucos poemas. A maior parte, inclusive dos meus, é vaidade.
CLL - Poesia é visceral ou
racional?
G.L - Não vejo oposição nos termos. A
visceralidade intensifica a racionalidade e a racionalidade intensifica a
visceralidade. Pra não ficar só no jogo de palavras, somente por meio de um
conhecimento profundo das minhas entranhas (pra seguir o topos) é que consigo
racionalmente organizar parte do caos das coisas. E o anverso também: só por
meio de muito esforço racional que consigo compreender as forças que pulsam em
mim de maneira mais orgânica e primitiva. A poesia faz parte desses extremos
opostos e coincidentes.
CLL - Tu vê a internet como um bom meio para
divulgar o escritor, ou o livro ainda é o melhor canal? Qual é a expectativa que
tu tens com a publicação?
G.L - A internet é um bom meio de divulgação
sim, só não sei se o livro já foi algumas vez o melhor canal. Se "melhor" for no
sentido de tornar perene, talvez sim. Mas se "melhor" for no sentido de alcance,
sobremodo em nossa cultura, o livro nunca foi o melhor canal. A canção popular
está aí como prova evidente disso. Em contrapartida, a internet tem virtualmente
o poder que as grandes metrópoles têm materialmente, submerge os artistas de
destaque num mar de produções ruins.
Por definição (histórica), quase chego a dizer
que sempre serão mais produções ruins do que produções que merecem ser lidas,
que avançam ou multiplicam nosso conhecimento de mundo, de linguagem da
experiência humana etc. A princípio a internet iguala as produções, o que é bom,
mas é preciso ser astuto pra que não se sucumba a uma igualdade que rebaixa a
qualidade esperada...
Sobre a possível publicação do meu livro,
minhas expectativas são que ele acrescente alguma coisa a algumas pessoas e
entre no debate. Só um poeta biruta acha que seu livro vai mudar de imediado a
maneira de pensar ou sentir de muita gente. Nosso panorama hoje é mais tímido.
CLL - Qual a importância do Prêmio Açorianos
pra ti e como tu acredita que ele repercute dentro da classe artística da
região?
G.L - Não tenho muito como responder a isso, na
verdade. Imagino que seja importante porque são sempre leitores qualificados que
compõem os júris das categorias e do Prêmio Açorianos de Criação Literária.
Nesse sentido, já me sinto feliz por ter sido escolhido por bons leitores como
um dos finalistas, isso já dá uma baita satisfação de trabalho bem feito. Por
outro lado, não tenho qualquer fetiche em relação à estátua ou a ser reconhecido
como ganhador ou finalista. O único julgamento realmente válido para a
literatura é o tempo, e sobre esse julgamento não há qualquer controle. Sem
hipocrisia, há o dinheiro do prêmio, que seria ótimo pra seguir fazendo arte,
pra reverter em arte de alguma forma, pra ter mais liberdade pra criar, essas
coisas.
Também seria maravilhoso que simbolicamente o
prêmio se revertesse em mais trânsito na cena do estado, em novas possibilidades
de incomodar poeticamente mais leitores e escritores, mas como nunca ganhei um
Açorianos, não sei o quanto desa força realmente se concretiza. Falar sobre
prêmios, aliás, sempre me faz lembrar de uma crônica do Nelson Rodrigues, "A
vaca premiada", conhece?
Eu encaro poesia como um trabalho, algo que
faço sempre, que busco aprimorar, para o qual procuro saídas etc. Sou Cabral
Futebol Clube, nesse sentido. Um prêmio seria o reconhecimento por esse
trabalho, ao qual me dedico há pouco tempo, quinze anos, regularmente. Acho que
eu me emocionaria como a vaca da crônica do Nelson, mas friamente, depois,
conceberia como reconhecimento a respeito daquilo a que dedico minha vida. Só e
tudo isso.