Profa. Cinara Pavani Ferreira |
Para encerrar nossa seção sobre Mulher e
Literatura, entrevistamos a Professora Cinara Pavani Ferreira, da UFRGS,
que desenvolve atividades de docência e pesquisa envolvendo questões sobre
Poesia, Memória e Literatura de Mulheres. Confere aí nossa conversa!
CLL - Quão conectado está o feminismo com a literatura feminina? É errado fazer essa distinção de "literatura feminina" do restante da literatura?
Cinara Pavani Ferreira - O feminismo e a literatura feminina estão conectados, pois a escrita literária foi uma das formas de manifestação da emancipação das mulheres, que se intensificou no século XX. O termo literatura feminina foi e é utilizado para marcar a autoria, não significando uma oposição à literatura “sem adjetivo”. Marcar essa autoria feminina, por sua vez, foi um passo importante para o estabelecimento de uma identidade feminina.
CLL - A partir de que momento na história a mulher começa a ser respeitada nos meios literários? Ainda existe uma resistência ao ler mulheres? Um clichê que generalize esse gênero?
C.P.F - A história literária registra raros nomes femininos em seus compêndios. Um reconhecimento maior da produção de mulheres nos meios literários dá-se somente a partir da segunda metade do século XX. É nesse momento que, conquistados outros direitos, a mulher passa a ocupar um espaço que possibilita tornar pública sua criação. Claro que esse reconhecimento é relativo, pois muitas escritoras continuam sendo ignoradas pela crítica e pela história literária.
Não é por acaso que uma das linhas de pesquisa mais promissoras do Grupo de Trabalho Mulher e Literatura da ANPOLL visa ao resgate das obras de escritoras antigas, não reconhecidas em seu tempo. Esse resgate é de fundamental importância para uma reescrita da história da literatura, possível a partir do questionamento do cânone e dos critérios de avaliação da qualidade literária de um texto.
Por ter sido considerada menor durante muito tempo, a literatura de mulheres acabou sendo relegada a um segundo plano, o que acarretou uma resistência em relação a sua leitura e estudo. No entanto, acredito que essa situação está mudando e, aos poucos, os textos femininos vêm sendo reconhecidos e prestigiados. Isso se deve a uma mudança de mentalidade desencadeada pelas profundas mudanças da sociedade no que se refere aos papeis dos gêneros.
CLL - A produção poética feminina é tão grande quanto a masculina na América Latina e entretanto muito menos conhecida. Qual o fator ofuscante? A crítica literária também carrega seu quê de culpa nisso?
C.P.F - O fator ofuscante é a não legitimação da produção poética feminina por parte da crítica e da história literária, que têm um papel importante na divulgação dos escritores. Portanto, têm responsabilidade por essa lacuna no que se refere aos textos femininos. O estudo de questões relativas à mulher na literatura, seja como autora ou como objeto de representação, é recente e há muito a ser realizado no que se refere à análise e à divulgação das obras femininas.
CLL - Tu que desenvolve atividades de docência e pesquisa envolvendo questões sobre Poesia, Memória e Literatura de Mulheres. Há interesse de pesquisa na área? Como a academia trata dentro do ensino de estudantes de Letras essa questão?
C.P.F. - É inegável que, nos últimos anos, vem crescendo o interesse pela pesquisa sobre as questões de gênero na literatura. O já citado Grupo de Trabalho Mulher e Literatura da ANPOLL tem reunido pesquisadores que estudam essas questões produzindo conhecimento científico, a partir da organização de eventos, debates e publicações.
Nos Cursos de Letras, ainda se observa o predomínio da leitura de textos de homens, sendo poucas as disciplinas que abordam textos femininos que não sejam os de escritoras consagradas pela crítica como, por exemplo, Clarice Lispector e Cecília Meireles, no caso da Literatura Brasileira.
CLL - Tu poderias comentar um pouquinho sobre teus estudos na área de Literatura e Mulher?
C.P.F. - Atualmente, estou estudando a obra da gaúcha Lara de Lemos (1923-2010) que, embora pouco conhecida do público, obteve um certo reconhecimento, conforme atestam alguns comentários de críticos renomados e os prêmios literários recebidos. O objetivo de minha pesquisa é estudar a relação entre memória e fazer poético nas cartas escritas pela autora, arquivadas no Acervo Lara de Lemos, acolhido em 2010 pelo DELFOS, Espaço de Memória Cultural da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Esses documentos são de suma importância não só para o entendimento da obra da escritora como para o estudo do contexto em que foram escritos – a ditadura militar brasileira. Foi justamente nesse período que o feminismo ganhou corpo no Brasil. Ao contestar o regime, as mulheres, entre as quais muitas escritoras, lutaram por igualdade de direitos na sociedade.