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16 de setembro de 2013

Acampamento na forma de parque temático, museu e shopping center

Até 20 de setembro, colunistas de ZH descrevem o que mais chamou a atenção durante a visita de um dia que fizeram ao Acampamento Farroupilha, em Porto Alegre


Acampamento na forma de parque temático, museu e shopping center Fernando Gomes/Agencia RBS
Maquete de galpão crioulo feita por Adnan Leites Mahmud e vendida por R$ 2,5 mil encanta crianças no acampamento Foto: Fernando Gomes / Agencia RBS
Rosane de Oliveira
Poucas coisas no Acampamento Farroupilha deveriam provocar algum estranhamento em quem nasceu e cresceu no campo ouvindo Teixeirinha e Gildo de Freitas, viajava de carroça, cavalgava com sete anos, foi coroada rainha da escola primária usando vestido "a gaúcho", declamava versos como "os peões dançavam com as prendas/ a quadrilha e a meia canha". Mas a verdade é que sinto, sim, um certo estranhamento ao percorrer esta cidade de costaneira que nasce no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho no final de agosto e a cada ano vai incorporando novidades.
O acampamento é um parque temático. Banheiros químicos azuis e vermelhos quebram o tom monocromático dos galpões de madeira decorados com peças que um dia tiveram alguma utilidade. A profusão de rodas de carroça usadas para enfeitar os galpões sugere uma variação da música Só restou, com letra de José Hilário Retamozo, interpretada por Marco Aurélio Vasconcellos ou Joca Martins: "Das carretas sobraram rodados/ Enfeitando o jardim dos patrões/ Nos museus, os arreios quebrados/ Das tropeadas somente ilusões". Arreios dividem espaço com lampiões de querosene, rebolos, plantadeiras manuais, trempes e fogões de tijolo para dizer aos visitantes que assim era a vida no campo antes dos tempos modernos.
Na manhã do parque temático farroupilha, crianças da cidade aprendem sobre o passado em TVs de LED. Peões e prendas urbanos fotografam tudo com smartphones para postar no Facebook e no Instagram. Vizinho ao Galpão da RBS, em que a atração para as crianças é a vaquinha Dominicow, está a casa da Nikon, símbolo do contraste entre o passado rústico e a alta tecnologia, representada por câmeras de última geração. Lindas modelos usando bombacha preta e camisa branca circulam pelo galpão enquanto um jovem bonito como "Pacácio, negro na flor" do Romance na Tafona, de Luiz Carlos Borges, me oferece "o melhor chimarrão do mundo".
Penso em registrar minha passagem pelo acampamento com uma foto sob os guarda-sóis de capim santa-fé, mas estão todos com os luminosos dos patrocinadores, um elemento intruso no que deveria ser a réplica de uma paisagem rural. À procura de um galpão autêntico, como quer o fotógrafo Fernando Gomes, impressionam-me os galos encarregados de despertar o acampamento. Há galos obedientes, quietos, como se estivessem pregados ao poleiro. E há galos com uma cordinha amarrada em um dos pés, prisioneiros do cenário.
Mostra dos usos e costumes do gaúchos, o acampamento é museu e shopping center, com ampla praça de alimentação, shows e pista de dança no mesmo território. Cogito de fazer o curso rápido de dança que dá até diploma depois de três horas-aula. Conhecendo minha falta de coordenação, desisto para não correr o risco de ser reprovada. Opto por explorar as lojinhas de onde adultos e crianças podem sair pilchados da cabeça aos pés. Uma profusão de cores e modelos capaz de deixar alvoroçados os tradicionalistas mais conservadores. Ou serão para mulheres aqueles lenços de pescoço azul turquesa, pink e verde-limão?
No pavilhão comercial, um grupo de crianças se encanta diante da maquete de um perfeito galpão crioulo com um aviso de "vendido". Encanto-me também com a precisão dos detalhes. Atrás do balcão, o autor da obra conta que demorou 60 dias de 13 horas para montar a obra, vendida por R$ 2,5 mil. Ele é Adnan Leites Mahmud, 52 anos, filho de pai palestino e mãe gaúcha. Vive entre dois ateliês (em Canoas e na praia de Oásis), faz entalhe em madeira e pedra, viveu 24 anos no Panamá, aprendeu a esculpir com José de La Cruz, faz pirografia e gravações em taças de vidro. Há seis anos, descobriu o artesanato com temática gaúcha e produz miniaturas de casas campeiras com fogões que até soltam fumaça (de incenso). No começo eram apenas ele e a mulher, Rejane Cardoso de Lima, especialista na montagem das peças. Depois incorporou-se Luciano Figueira, craque na produção das minúsculas peças de metal. Hoje, são sete pessoas trabalhando em regime de cooperativa para atender a uma demanda de mais de 12 mil peças por ano.
A maquete do galpão de R$ 2,5 mil tem três interruptores para controlar a iluminação dos cômodos e 325 peças espalhadas em menos de um metro quadrado. São miniaturas de móveis, fogões, pelegos e até de linguiças penduradas na cozinha) e três interruptores de luz para iluminar diferentes cômodos.
Para completar a experiência, decido almoçar no acampamento. Mas não como carne vermelha e a tradição gaúcha não é feita para semivegetarianos. Entre churrasco ou carreteiro, vou para um restaurante de rede que oferece "a la minuta" com peixe ou frango. Custa R$ 17, mais R$ 3 se quiser trocar a pescada por linguado (que, na verdade, mais parece tainha). Refrigerante ou cerveja, só se for da Nova Schin, que o patrocinador tem exclusividade. Água, por favor.
Sob o sol de setembro, com a temperatura beirando os 35ºC, deixo o acampamento com bolhas nos pés depois de três horas andando pelos caminhos de brita que tiram um pouco mais da autenticidade do campo, mas permitem que os visitantes circulem também nos dias de chuva.