VIA ZERO HORA:
Coluna de Juarez Fonseca reacendeu discussão sobre a música regional
Foto:
Eduardo Rocha / Divulgação
A semana foi de certa instabilidade no Rio Grande do
Sul. E não apenas pela temperatura que teve viradas bruscas ao longo dos
dias: os ânimos tradicionalistas se mantiveram exaltados. As redes sociais se tornaram um fórum de discussão sobre a música nativista desde o sábado passado, quando o jornalista e crítico musical Juarez Fonseca publicou em sua coluna no 2º Caderno
um texto no qual defende que a qualidade artística dos festivais de
música regional "havia despencado" desde o final dos anos 1980. Enquanto
alguns concordaram e se solidarizaram ao argumento, outros exigiram que
o colunista se retratasse.
Em seu blog, o compositor Caine Teixeira Garcia escreveu: "(Juarez Fonseca) ignora a importância que esses eventos têm para nossa formação social, cultural e econômica". Já o músico Luiz Carlos Borges disse no Facebook: "Acho que o Juarez Fonseca, em boa hora, escreveu algo que já se esperava há mais tempo".
Além de gerar polêmica, o texto reacendeu uma discussão
levantada em outras ocasiões. Em 1991, por exemplo, o cantor e
compositor Silvio Aymone Genro levou a canção Pelas Cidades de Lona
para concorrer na Califórnia da Canção Nativa. Vestido de palhaço em um
dos palcos mais emblemáticos dos festivais, cantou versos como "Hoje os
festivais de chatice nativa são tudo uma mesmice só / onde o que
cantamos de novo é mais velho que a minha vó". A provocação gerou
algumas vaias, mas também aplausos.
_ Fui mais criticado por parte de alguns colegas músicos. Mas o povo em geral gostou _ lembra Genro.
Para avançar no debate sobre a situação dos festivais e a
qualidade das músicas, ZH ouviu músicos, jurados e outros envolvidos
com o tema.
Qualidade musical
Jornalista que cobriu o surgimento dos grandes festivais
de música regional, Juarez Fonseca foi jurado de edições recentes de
encontros como Tertúlia Musical Nativista (Santa Maria), Canto dos
Cardeais (Canguçu), Tafona da Canção Nativa (Osório) e Califórnia da
Canção Nativa (Uruguaiana). Ele avalia que, apesar de muitos bons
artistas terem surgido nos últimos 25 anos, a qualidade geral das
composições apresentadas nos eventos está mais baixa:
– Depois do sucesso dos festivais, muita gente resolveu
entrar na música, alguns usando fórmulas prontas, que já tinham dado
certo. Temos ótimos letristas, mas letras ruins ainda derrubam muita
gente, como músicas que insistem em falar de cavalo ou de exaltar o
tempo todo o Rio Grande do Sul.
Presidente do Instituto Gaúcho de Tradição e Folclore (IGTF), Vinícius Brum
compartilhou a coluna de Juarez no Facebook. Segundo ele, a divulgação
foi um modo de "estimular um debate importante". No entanto, Brum
questiona a argumentação de que as composições tenham piorado.
– Essa discussão é difícil porque, às vezes, pode ser
levada para o gosto pessoal, mas não vejo uma piora. E não é coibindo
repetições que se vai chegar a uma boa canção. Restringir ou ampliar os
temas é algo estéril, com o qual o bom compositor não deve se importar –
diz Brum.
Músico e jurado de festivais, Edilberto Bérgamo
também vê com bons olhos a produção atual, mas percebe que os
regionalistas poderiam ter uma postura mais atenta ao inscreverem suas
músicas:
– Às vezes, alguns músicos não leem os regulamentos
antes de enviar as músicas. Há festivais que privilegiam composições
campeiras, enquanto outros são mais abertos. Além disso, ter uma música
fora das selecionadas poderia ser encarado como um estímulo para
melhorar o trabalho – diz.
Ao longo da reportagem, outros músicos ouvidos disseram concordar com a avaliação de Juarez, mas preferiram não se identificar.
Novos clássicos
Na coluna publicada no último sábado, Juarez Fonseca
afirma que, a cada 500 músicas recebidas para triagem de alguns
festivais, há "raramente alguma muito boa" e "ótima, nem pensar". Já o
radialista Jairo Reis, que há 20 anos trabalha com música regionalista, avalia o cenário de modo mais positivo.
– Se a gente parar para pensar, os grandes clássicos
nativistas surgiram nos 1970 e 80. Mas, dos anos 90 para cá, muita coisa
boa surgiu. Os festivais podem não ser tão bons como antigamente, mas
não se pode fazer terra arrasada – defende.
Reis aponta que não é por falta de qualidade que músicas
vencedoras não alcançam uma exposição maior nas rádios e emissoras de
televisão. Organizadores muitas vezes não conseguem distribuir
adequadamente os CDs com as composições finalistas, fazendo com que
muitos não cheguem aos comunicadores que poderiam tocá-las. A má
distribuição ainda gera outro problema: dificulta que intérpretes
consagrados conheçam canções que se interessariam em gravar.
– Muitas das músicas que conhecemos hoje resistiram ao
tempo por terem sido gravadas por grandes nomes ou conjuntos de baile –
explica Reis.
Outro ponto assinalado pelos entrevistados é que a produção e o consumo de música estão cada vez mais difusos.
_ Hoje você entra no YouTube e há todo um mundo de novos artistas a conhecer _ diz o compositor Caine Teixeira Garcia.
Manoelito Savaris, presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), lembra que os festivais já tiveram uma espécie de época de ouro:
– Se hoje não têm o mesmo encanto, é porque existem mais alternativas, estão concorrendo com outras coisas.
Circuito em queda
O Rio Grande do Sul já chegou a sediar mais de 70
festivais de música regional. Na virada para os anos 1990, o circuito
começou a encolher. Hoje, segundo o Instituto Gaúcho de Tradição e
Folclore (IGTF), são menos de 50. Para o músico Edilberto Bérgamo,
problemas de gestão explicam a queda.
– Muitos organizadores têm pouca experiência em fazer
captação e prestação de contas de leis de incentivo, o que inviabiliza
financeiramente muitos projetos. Além disso, às vezes há um grande
período sem evento e depois há três ou quatro festivais no mesmo final
de semana. A organização pode ser melhorada – diz.
Segundo Manoelito Savaris, presidente do Movimento
Tradicionalista Gaúcho (MTG), o custo de um festival gira em torno de R$
150 mil, e as possibilidades de captação dependem basicamente da Lei de
Incentivo à Cultura estadual (LIC-RS).
– A Lei Rouanet, alternativa federal de incentivo,
depende de empresas muito grandes, que geralmente já têm seus próprios
projetos, e as prefeituras têm uma capacidade cada vez mais limitada de
apoiar – comenta.
Já o jornalista João Vicente Ribas, que faz doutorado sobre música popular gaúcha e mantém o blog Pampurbana, acredita que o fator artístico também influencia na queda de público e dificulta a viabilidade financeira dos eventos.
– Muitos dos festivais se tornaram guetos que reproduzem
a mesma música, com letra, melodias e performance passadistas –
argumenta.
Presidente do IGTF, Vinícius Brum, concorda que o número
de eventos teve queda, mas não acredita que este é um mau sinal para a
música regional:
– Os primeiros 20 anos dos festivais foram de
crescimento. A partir daí, o que alguns detectam como decréscimo eu
detecto como estabilização. Não é mais aquele estrondo que levou a
gurizada urbana a tomar chimarrão no Brique da Redenção, até porque essa
cultura já foi assimilada. O que vivemos é um momento de circuito
consolidado.