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14 de agosto de 2015

Secretário da Cultura sugere mudanças nas leis de incentivo

via zero hora:

Alto custo da pasta amarra investimentos na área, argumento Victor Hugo

Por: Gustavo Foster
14/08/2015 - 17h57min | Atualizada em 14/08/2015 - 18h55min
Secretário da Cultura sugere mudanças nas leis de incentivo Tadeu Vilani/Agencia RBS
Foto: Tadeu Vilani / Agencia RBS
 
O atraso no pagamento de um edital de R$ 90 mil  não só gerou rebuliço no meio cultural, como evidenciou ainda mais a crise que vive o governo gaúcho.

Vencedores do edital de incentivo à pesquisa em artes cênicas do Teatro de Arena, da Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), os espetáculos Concentração e Flamenco para Crianças ainda não receberam os R$ 45 mil a que cada um tem direito — o primeiro já até encerrou a temporada, e o segundo tem estreia prevista neste semestre.

De pires na mão, acabaram entrando na fila para receber a verba, que, de acordo com a Fazenda, só deve ser depositada depois que forem pagas as parcelas em atraso da dívida do Estado com a União e feitos os repasses para hospitais públicos.

— Eu me sinto desrespeitada. Podiam ter dito desde o começo que o dinheiro não ia sair, falado para eu esperar, não fazer o projeto — desabafa a diretora de Concentração, Ana Paula Zanandréa, que precisou assumir uma dívida de R$ 8 mil para bancar a peça por conta do atraso de quatro meses no pagamento.

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A Sedac já empenhou e liquidou a verba — termos técnicos para dizer que o secretário Victor Hugo autorizou que o pagamento seja feito por quem tem a chave do cofre: o secretário da Fazenda, Giovani Feltes. O problema é que não há dinheiro.

– Assim como a Fazenda não responde pelos meus andamentos, não tenho competência para responder pelos deles. Mas moro no planeta Terra e sei que a situação no Estado é de bloqueio. Até a semana passada, não se sabia se íamos pagar salários, então a pendenga é muito maior. Não tenho elementos para dizer quando isso vai ser pago – diz Victor Hugo, que cogita, em um próximo edital, ver a possibilidade de  exigir que só se marque a data de estreia do espetáculo depois do primeiro pagamento.

Para tentar explicar por que não é possível sequer estipular um prazo para o pagamento, o secretário fez uma análise da situação da Sedac sob o impacto das dificuldades financeiras do Estado e, a exemplo do governador José Ivo Sartori, pediu compreensão.

Victor Hugo propõe uma revisão das políticas de financiamento público. O principal alvo é o Pró-Cultura, sistema de financiamento composto por Lei de Incentivo à Cultura (LIC) e Fundo de Apoio à Cultura (FAC). A LIC funciona por meio de renúncia fiscal: a empresa financia um projeto e tem aquele valor abatido dos impostos que pagaria, mediante depósito de um percentual no FAC – mecanismo utilizado pelo governo para financiar projetos que não necessariamente atrairiam o interesse de empresários. Como detalha a seguir, Victor Hugo quer aumentar a importância do FAC, escalonando repasses de quem contribui por meio de renúncia fiscal, e pulverizar os benefícios da LIC, restringindo valores de financiamentos e aumentando o número de beneficiados.

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Leia a entrevista com o secretário da Cultura:

A Cultura é sempre uma das primeiras áreas a ser afetada em momentos de crise. Qual é a perspectiva até o fim de ano?
A Secretaria da Cultura vem funcionando com redução da sua verba de custeio. Meu custeio para este ano é de cerca de R$ 9 milhões. Minha grande dificuldade: rubricas já contratadas na gestão anterior. E isso não é uma crítica, é o fluxo de funcionamento da secretaria. Por exemplo: serviços de vigilância exigem um desembolso mensal de R$ 470 mil, e isto já era assim quando cheguei. Meio milhão por mês! Só para vigilância da Casa de Cultura, do Margs, da Biblioteca e de outras instituições. E estou aqui me vendo em maus lençóis para pagar R$ 45 mil para duas peças. Então, qual é a situação da Secretaria da Cultura hoje? Está amarrada por um custeio que é estruturante. Não cometerei a deselegância de creditar isso ao meu antecessor, porque ele também se viu assim. E, se me tirarem daqui e colocarem outro, ele também vai estar amarrado.

E para o ano que vem?
Só nos eventos que vou neste fim de semana, Festival de Cinema de Gramado e Moenda da Canção de Santo Antônio da Patrulha, há um incremento de R$ 1,3 milhão em leis de incentivo à cultura. Para fazer essa secretaria andar? Não, para fazer os eventos da comunidade cultural andarem. Eu poderia dizer ao secretário da Fazenda: “Não, tira isso daí e põe para fazer a minha secretaria funcionar”. Não vou cometer essa insanidade, porque contraria o discurso da comunidade cultural e o meu. Mas também conto com a compreensão da comunidade para dizer que, quando o ar é pouco, ou respiram eles ou respiro eu. Estou preparado, quando a comunidade cultural perguntar o que a secretaria está fazendo: está tentando se virar. Prefiro que eles continuem pulsando do que eu. Qual é o cenário para 2016? Está se impondo a necessidade de uma repactuação dos valores concedidos aos projetos culturais incentivados.

Como assim?
Não sei se a secretaria tem gás para seguir concedendo incentivo de R$ 1 milhão para um festival de cinema (Gramado) ou R$ 300 mil para um de música (Moenda). Talvez, em 2016, tenhamos que trabalhar com valores menores.

Isso acarretaria diminuir eventos como o Festival de Gramado?
Não. (Acarretaria em) O Festival de Cinema de Gramado saber que, do Estado, ele conta com menos. É uma decisão. Pode diminuir dois dias, mas o Estado tem, neste momento, capacidade de te dar isso. O festival tem financiamento da Lei Rouanet, já busca o dinheiro do Estado e também da União. Todo mundo está se reposicionando na questão de custo. E, do ponto de vista do Estado, o Rio Grande do Sul vive uma crise, é economia de guerra. Ou todos entendem isso, ou quem não entender... Está em que mundo?

E o pessoal tem entendido?
Não tenho feito isso do ponto de vista institucional. Mas muitas comunidades realizam pequenos eventos importantes e não requerem projetos de R$ 1 milhão. Temos projetos que custam R$ 9 milhões – o da Bienal, aprovado pelo Conselho Estadual de Cultura. Digo isso respeitosamente para com a Bienal, mas a verdade é que o Estado tem um sistema público de financiamento que, para o todo, é de R$ 35 milhões e um projeto único foi contemplado com R$ 9 milhões (a Bienal do Mercosul prevê captar R$ 6,5 milhões).

Que alternativas o senhor vê?

No final de junho, enviei um ofício ao Conselho Estadual da Cultura condicionando que não aprovem mais do que R$ 2,9 milhões de crédito na LIC por mês. Se fizer uma radiografia nos projetos que merecem incentivo, veremos projetos que recebem R$ 9 milhões e outros R$ 200 mil. Gostaria de trabalhar com um sistema menos díspar. Mas não quero ter a pretensão de dizer aos eventos culturais quanto vão custar. Podem buscar, mas é a história do filho: "O pai te dá isso aqui, o resto vai buscar com um padrinho". Que busquem a sustentabilidade de suas bilheterias. Até porque a lógica das leis de incentivo era para ser de incentivo, de desacelerar a dependência. E a experiência que temos no Estado mostrou o contrário.

Mas projetos menores seriam atrativos para empresas?
Hoje, o sistema de lei de incentivo funciona com 100% de isenção, mas exige o repasse de mais um percentual para o caixa do Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Na minha cabeça, passaríamos a um sistema novo, com faixas de repasse. Em um projeto de R$ 100 mil, por exemplo, a empresa depositaria R$ 100 mil e teria de repassar mais 10% ao caixa. Se fosse de R$ 1 milhão, repassaria 50%. Com isso, o atrativo que a empresa teria para entrar em projetos de pequena monta financeira é que o repasse é menor. E é mais justo socialmente. Quero um sistema que atenda particularidades regionais, sem proibir eventos que custam mais. Já conversei com deputados da base aliada e da oposição. No momento em que isso se materializar, o projeto de lei pode sair com alguns ajustes. Vai ter discussão, audiência pública.

E o funcionamento do FAC também sofreria mudanças?
Quero fortalecer o FAC. Uma das coisas que cheguei a pensar: hoje, a empresa tem que patrocinar um projeto da LIC para fazer o repasse. Aí, tem o direito à isenção. E se tivéssemos um sistema em que a empresa pode escolher botar direto no FAC e ganhar 100% de isenção, sem necessidade de repasse? Mas sei que integro um governo que tem a pauta de rever todas as isenções fiscais.