Marcelo Gonzatto (textos)
Diego Vara (fotos)
Em uma região distante do centro de Porto Alegre, não existem salas de cinema, mas há cineastas. Não há teatro, mas se multiplicam atores e dançarinos. Se faltam casas de espetáculo, sobram músicos e artistas em busca de público.
Vindos de um cantão da Capital quase sempre lembrado pela pobreza e pela violência, lutam contra a falta de estrutura para serem reconhecidos pelo talento - muitas vezes, contrariando opiniões de que se devotar à cultura em meio à carência é "coisa de vagabundo". Se é difícil fazer arte no centro cultural e financeiro da cidade, é um milagre na Restinga.
Ainda assim, os artistas do arrabalde não apenas insistem em se dedicar a seus ofícios como vêm conquistando reconhecimento e destaque em premiações importantes. Eliminam a lonjura para o resto da cidade a passos de dança. Deixam de ser invisíveis projetando sua imagem na tela de cinema.
Os exemplos desse fenômeno suburbano se acumulam: entrou em cartaz, neste mês, o primeiro filme longa-metragem produzido por moradores da região. Em setembro, um time de bailarinas se consagrou nas primeiras colocações do Festival Sul em Dança, um dos mais importantes do Estado. O Prêmio Açorianos do ano passado destacou o grupo Restinga Crew e o programa Trabalhos Socioeducativos do Hip Hop.
Os bailarinos, poetas, músicos e criadores em geral dos confins geográficos da Capital não fazem parte de nenhum movimento organizado. São simples fruto da persistência em uma porção da cidade marcada, desde a origem, pela exclusão. A Restinga nasceu, no final dos anos 1960, devido a um processo de remoção de casebres das áreas mais centrais de uma Porto Alegre que queria se fazer moderna, mais "limpa" e ampla. Moradores foram transferidos para uma terra de ninguém, distante mais de 20 quilômetros do Centro.
- A Restinga surgiu por processo de exclusão, quando a cidade queria ser mais veloz e bonita, construir perimetrais. Assim, foi se consolidando um imaginário pejorativo sobre o bairro, calcado em uma ideia de assepsia urbana, de que a prefeitura estava limpando a cidade. As famílias foram levadas para o meio do nada. Não tinha absolutamente nada lá - conta a geógrafa Nola Patrícia Gamalho, que fez uma dissertação de mestrado sobre a região.
Hoje, parte dessas famílias e milhares de outras que vieram depois, graças a projetos habitacionais ou invasões de área, vivem em um bairro com dimensões de município. A prefeitura conta 60,7 mil habitantes, o que representa 4,3% da população porto-alegrense. Fosse uma cidade, seria a 36ª maior do Estado, comparável à população de São Gabriel. Os efeitos do desterro forçado, porém, ainda se revelam em dados negativos como a violência e a pobreza ? índices em que o bairro se sai bem pior do que a média da Capital.
A queixa de artistas e moradores é de que só são lembrados pelo lado ruim de sua história ou durante a semana de Carnaval, quando a tradição de seus sambistas chama a atenção de todo o Estado. Para além da precariedade social e dos festejos com data para acabar, querem mostrar que sabem criar - músicas, histórias, peças, coreografias e até um bairro do tamanho de uma cidade e nascido do nada.
Diego Vara (fotos)
Em uma região distante do centro de Porto Alegre, não existem salas de cinema, mas há cineastas. Não há teatro, mas se multiplicam atores e dançarinos. Se faltam casas de espetáculo, sobram músicos e artistas em busca de público.
Vindos de um cantão da Capital quase sempre lembrado pela pobreza e pela violência, lutam contra a falta de estrutura para serem reconhecidos pelo talento - muitas vezes, contrariando opiniões de que se devotar à cultura em meio à carência é "coisa de vagabundo". Se é difícil fazer arte no centro cultural e financeiro da cidade, é um milagre na Restinga.
Ainda assim, os artistas do arrabalde não apenas insistem em se dedicar a seus ofícios como vêm conquistando reconhecimento e destaque em premiações importantes. Eliminam a lonjura para o resto da cidade a passos de dança. Deixam de ser invisíveis projetando sua imagem na tela de cinema.
Os exemplos desse fenômeno suburbano se acumulam: entrou em cartaz, neste mês, o primeiro filme longa-metragem produzido por moradores da região. Em setembro, um time de bailarinas se consagrou nas primeiras colocações do Festival Sul em Dança, um dos mais importantes do Estado. O Prêmio Açorianos do ano passado destacou o grupo Restinga Crew e o programa Trabalhos Socioeducativos do Hip Hop.
Os bailarinos, poetas, músicos e criadores em geral dos confins geográficos da Capital não fazem parte de nenhum movimento organizado. São simples fruto da persistência em uma porção da cidade marcada, desde a origem, pela exclusão. A Restinga nasceu, no final dos anos 1960, devido a um processo de remoção de casebres das áreas mais centrais de uma Porto Alegre que queria se fazer moderna, mais "limpa" e ampla. Moradores foram transferidos para uma terra de ninguém, distante mais de 20 quilômetros do Centro.
- A Restinga surgiu por processo de exclusão, quando a cidade queria ser mais veloz e bonita, construir perimetrais. Assim, foi se consolidando um imaginário pejorativo sobre o bairro, calcado em uma ideia de assepsia urbana, de que a prefeitura estava limpando a cidade. As famílias foram levadas para o meio do nada. Não tinha absolutamente nada lá - conta a geógrafa Nola Patrícia Gamalho, que fez uma dissertação de mestrado sobre a região.
Hoje, parte dessas famílias e milhares de outras que vieram depois, graças a projetos habitacionais ou invasões de área, vivem em um bairro com dimensões de município. A prefeitura conta 60,7 mil habitantes, o que representa 4,3% da população porto-alegrense. Fosse uma cidade, seria a 36ª maior do Estado, comparável à população de São Gabriel. Os efeitos do desterro forçado, porém, ainda se revelam em dados negativos como a violência e a pobreza ? índices em que o bairro se sai bem pior do que a média da Capital.
A queixa de artistas e moradores é de que só são lembrados pelo lado ruim de sua história ou durante a semana de Carnaval, quando a tradição de seus sambistas chama a atenção de todo o Estado. Para além da precariedade social e dos festejos com data para acabar, querem mostrar que sabem criar - músicas, histórias, peças, coreografias e até um bairro do tamanho de uma cidade e nascido do nada.