O Rio Grande do Sul é o Estado mais diverso, em
sua composição étnica, linguística e cultural. A partir de uma rarefeita, mas
antiga e nobilíssima cultura dos povos indígenas, que aqui nos precederam em 10
mil anos,/ vieram, a partir dos inícios do século 18, / povoadores portugueses
continentais, depois portugueses insulares dos Açores e, juntos, e à força,
grandes contingentes africanos e então, a contar da década de 1820, as levas de
alemães e italianos, bem como argentinos e uruguaios, a que vieram a somar-se,
já no século 20, a estrangeiros das mais variadas latitudes: judeus, palestinos,
turcos, japoneses, coreanos, sírio-libaneses, poloneses, eslovacos; isso sem
contar estrangeiros avulsos: espanhóis, franceses, britânicos, suíços, tchecos,
russos, enfim; o Rio Grande assume o papel invulgar de espaço de acolhida,
aberto para o mundo e com ele dialogando.
Esse mosaico, longe de nos fragmentar, nos une e
nos fortalece. No Rio Grande, a diversidade é nosso dia-a-dia. Sabemos conviver
com ela e não nos causa nenhum espanto encontrarmos sobrenomes que incorporam,
numa só pessoa, a mais complexa árvore genealógica.
As zonas de sombreamento cultural geraram
situações de verdadeiras sínteses de hibridismo, com as quais convivemos há
décadas.
Se pensarmos exclusivamente em termos de tempo
decorrido, o Rio Grande foi uma das últimas regiões do planeta a ser colonizada
pelo europeu. Em juventude ganha-nos, e por pouco, apenas a Austrália. Quando
aqui pisou o primeiro colonizador, o Mosteiro de São Bento, de Salvador, já era
velho de 2 séculos.
É verdadeiramente incrível que em tão pouco tempo
e sendo tão vários, tenhamos consolidado uma cultura e uma poderosa identidade.
Não podemos incidir no lugar-comum de dizer que foi o trabalho que nos fez
assim, foi a determinação, foi o caráter etc.
Não cabe aqui ir à busca de explicações amadoras,
mas não podemos deixar de levar em conta as convulsões sociais, políticas e
bélicas que ocorreram no Rio Grande do Sul, da qual a Revolução Farroupilha é o
exemplo mais visível, que nos fez independentes por 10 anos do Império. A não
esquecer, também, a circunstância de que foi aqui, no Rio Grande, que se
travaram todas as guerras externas de nosso país. À parte essas
singularidades, dois movimentos nacionais tiveram sua origem aqui: a Revolução
de 30, que pôs abaixo a oligarquia da primeira república, e a Legalidade, que
alterou um quadro político francamente golpista. O resto deixo à reflexão e à
intuição de meus ouvintes.
Senhoras, senhores.
Uma conferência de cultura no Rio Grande do Sul,
deve ser e será, um espaço discussão em que toda essa diversidade e forte
identidade virão necessariamente à tona. Somos um povo, mas somos muitos povos;
somos um, mas somos múltiplos. A formação histórica do Rio Grande explicará as
diferentes linguagens, trejeitos e modos de entender a vida, mas também será a
pedra de toque para entendermos o quanto ainda restam desigualdades econômicas e
sociais, que o atual governo do Estado, em suas políticas inclusivas, tem feito
por superar.
Com isso quero dizer que algumas tensões daí
decorrem, são perfeitamente compreensíveis, e este é o foro para discuti-las num
plano de mútuo respeito e franca colaboração.
Este evento tem o tema: Uma política de
Estado para a cultura: desafios do Sistema Nacional e Estadual de Cultura.
A dimensão e a vastidão da proposta possui um caráter ambicioso, mas isso nunca
nos assustou. Levando-a a bom termo, estaremos prontos para a Conferência
Nacional de Cultura, a realizar-se em novembro, na Capital Federal.
Ao final de nosso encontro, esperamos atingir um
expressivo número de estratégias para aprimorar ainda mais a boa articulação e a
cooperação já em curso entre os municípios gaúchos,/ o Estado do Rio Grande do
Sul e a União Federal. Queremos, agora, que essa articulação política e
programática, que já nos tem dado tantos bons frutos, possa chegar cada vez mais
à população gaúcha e às culturas que nos compõem. Almejamos uma estratégia de
atuação que nos possibilite chegar, para além das populações urbanas de nossas
grandes cidades, aos povos de todo este vasto território.
Para tal, atualizamos e fazemos uso de nossa
tradição de população ativa em sistemas de participação e controle social na
gestão das políticas públicas de cultura. Na terra do Orçamento Participativo e
do Sistema de Participação, nossa estrutura melhora a cada ano. Já instituímos
11 colegiados setoriais, realizamos dezenas de Diálogos Culturais, e conformamos
participativamente políticas de Estado para a Cultura, com o nosso Plano
Estadual de Cultura e nosso Sistema Estadual de Cultura, aprovado na AL e
sancionado hoje pela manhã pelo governador Tarso Genro. E, agora, realizamos
agora a quarta conferência. Com isso, garantimos instrumentos institucionais de
Estado, não apenas de governo.
Nossa parte, enquanto órgão gestor do sistema,
está sendo realizada. Em menos de três anos, captamos mais de 1.500% de recursos
federais em comparação com quatro anos do governo anterior. Aumentaremos nosso
orçamento em 516% em 2014 na comparação com 2011, primeiro ano de nosso governo.
Liberamos mais de R$ 85 milhões já captados em três anos de Lei de Incentivo à
Cultura (LIC) e operamos R$ 20 milhões em Fundo de Apoio à Cultura (FAC) no
período. Com o Ministério da Cultura, estamos em plena construção da Sala
Sinfônica da Ospa, a modernização de mais 125 bibliotecas e a implementação de
160 pontos de cultura em todo o Estado.
Muito já fizemos. E ainda falta muito. Por isso,
trabalharemos aqui, governo, Conselho, colegiados, delegados e observadores para
debater experiências de elaboração, implementação e monitoramento de Planos
Municipais e Setoriais de Cultura e propor estratégias para o reconhecimento e
fortalecimento da cultura como um dos fatores determinantes do desenvolvimento
sustentável. Outra intenção é universalizar o acesso à produção e à utilização
dos bens, serviços e espaços culturais. Portanto, aproveitemos este momento/ em
que governos estadual, municipais e sociedade / se reúnem para pensar
conjuntamente, a fim de corrigir rumos e melhorá-los com a qualidade do
conhecimento coletivo.
Destaquei acima a aprovação do Sistema Estadual
de Cultura. Este instrumento nos será muito útil daqui para frente, seja para a
articulação institucional com o MinC e com os municípios, seja para estabelecer
uma racionalidade na atuação de nossos órgãos gestores e de participação. Esta
racionalidade reflete-se nas três áreas que compõem o Sistema: o planejamento, a
participação e o financiamento.
Em todas elas temos grandes avanços nos últimos
anos, que agora se consolidam com um Sistema transformado em Lei. Com o Sistema
teremos um Plano Estadual de Cultura para planejar;/ Conferências, Colegiados e
Diálogos Culturais para participar; / e a Lei de Incentivo à Cultura e,
principalmente o Fundo de Apoio à Cultura, para financiar o que vem desse
planejamento e é otimizado pela participação constante de nossa comunidade
cultural. No Rio Grande do Sul, as políticas públicas para a cultura têm se
orientado a partir de um conceito transversal, que entende a cultura como
primordial para o desenvolvimento artístico, econômico e cidadão do Estado.
Aproveitemos esta conferência para colocar a cultura no centro das estratégias
de desenvolvimento social e econômico de nosso Estado.
Para encerrar, é nosso maior desejo, enquanto
pertencente à equipe desta Secretaria de Estado, que a Conferência seja
percebida em sua dimensão maior, que é de levarmos a pensar a cultura de maneira
integrada e colaborativa e agora, sob a égide, pela primeira vez na história, de
um Sistema, / institucionalizado por Lei.
Preciso encerrar.
É possível que aos mais atentos não
tenham passado despercebidos os reiterados léxicos “sistema”, “lei”, “plano” que
percorreram minhas palavras.
Como pensar em sistemas, no atual
pensamento pós-hegeliano, pós-moderno e desconstrutor de certezas? Como falar em
lei quando parece que descumpri-la é a tônica do momento? Como falar em “plano”,
numa era do improviso e da informalidade?
Sei que para uma camada de desatinados,
como os que depredaram o Museu Júlio de Castilhos há menos de uma semana, a
esses repugna falar em planos, sistemas, leis, como se fossem entidades
ultrapassadas pelo improvisado efêmero de nossos dias.
Mas aqui não podemos deixar em branco a
afirmação de nossa confiança de que instrumentos políticos, quando legislados
pela vontade comum e sistematizados, são garantidores da plenitude da vida
social, do exercício da democracia e da plena participação cidadã.
Talvez o Estado, como ente coletivo de
entendimento do político, talvez o modelo da democracia representativa não sejam
os ideais, mas é o melhor que a inteligência humana avançou até agora.
Talvez as pessoas já não se sintam representadas por agremiações políticas e
busquem novas formas de participação – temos de ter a cabeça no lugar para
entender esse fenômeno, mas sem abrir mão daquilo que socialmente construímos a
duras penas.
Justificamos, assim, o nosso esforço
destes dias. Valerá o esforço de pensar nossa cultura, assim como vale estarmos
vivos e sermos chamados a esta tarefa que irá incorporar-se às coisas boas que
fizemos em nossa existência.
Bom trabalho a todos.
Luiz Antonio de Assis Brasil
Secretário de Estado da Cultura